16 de dezembro de 2017

INTERIOR DESAVINDO / O Interior/ 14-12-2017




INTERIOR DESAVINDO
Rendi-me há muitos anos ao desaparecimento paulatino do interior do País enquanto espaço territorial único, território social e espaço multicultural!
                Desde o resultado daquele arremedo de referendo sobre a regionalização de 1998, patrocinado por um sempre titubeante António Guterres, que as ultimas esperanças sobre alguma cedência da macrocéfala Lisboa se desvaneceram completamente. Esse referendo, se bem me lembro, apenas serviu para que os baronatos dos partidos do bloco central dos interesses pudessem gritar em plenos pulmões, por um brinquedo que todos sabiam de antemão que nunca iria mudar o que quer que fosse.
                Os exemplos para se combater a regionalização eram sobretudo a diabolização do modelo do Alberto João Jardim na Madeira (por sinal um adversário da regionalização no continente) e de Jorge Nuno Pinto da Costa, um defensor claro da descentralização, que foi usado como cartaz de um papão contra Lisboa. Toda a classe política de Lisboa, a que por lá se vai insinuando entre ministérios, parlamento, restaurantes, bares, night-clubs etc. quer perpetuar este estado de coisas, por isso não vale a pena estarmos aqui a exigir o que quer que seja para este interior desavindo.
                Depois do governo anterior ter atirado para a Guarda a sede da EPAL, o atual governo resolve constituir uma empresa publica de gestão da floresta em Lisboa, empresa que pouco vai servir do que olhar para o Parque de Monsanto. Numa de Guterres, Costa decide dar ao Porto o INFARMED para dentro de dois anos de estudos e aluguer de instalações parir-se uma decisão dizendo que não há condições para a instalação do Instituto no Porto. Com um pouco de sorte a DOCAPESCA vem para a Guarda e a Sede da Autoridade Marítima Nacional para Castelo Branco ou Portalegre.
                O interior cada vez tem menos voz, e se fizermos um exercício vemos que as entidades desconcentradas da administração central nas cidades do interior não decidem rigorosamente nada, nem tampouco são já ouvidas as pessoas para se elaborarem projetos de desenvolvimento e envolvimento económico e social deste país fora de Lisboa e de certa forma do Porto.
                Do interior fala-se quando há incêndios, neve ou quando há uns assassinatos em série. No resto faz-se exatamente o mesmo que fazia o SNI (Secretariado Nacional de Informação) de má memória. Divulga o mel, o queijo, o azeite, uns enchidos e o vinho e tudo isto representa entre 1,35 a 1,8% do PIB português. Vem cá as TVS perguntar se está frio no Inverno ou se está calor no Verão e fazem uns programas do mais pindérico que pode haver, e que só não são matéria-prima para humoristas, porque a maioria é má e só estão a enfadonhar o publico porque se habituaram a encostar-se ao poder e aos poderzinhos adjacentes.
                O drama de hoje começa a não ser apenas a fuga dos jovens para o litoral (Lisboa ou Porto), mas a falta de idosos para encher os equipamentos sociais disponíveis em demasia na região e que são um fator de fixação de gente nas mais recônditas aldeias do interior.
                Estamos no princípio do fim de mais uma etapa de fim do interior e dispensam-se discursos e loas aos seus projetos messiânicos de desenvolvimento. Eu pelo menos faço o meu papel, e já nem ouço para não me incomodar.
 Já nem o clero se quer por cá manter, porque as receitas são cada vez menores. A bem dizer foram os padres os que começaram a debandada, acumulando os poucos que restaram paróquias em numero significativo para as suas práticas. Deixaram de “prestar” uma série de serviços porque há cada vez menos contribuintes líquidos para as “obrigações da fé”.
Desejo-vos umas Boas Festas, com a certeza que para o ano estou a repetir o que aqui escrevi, provavelmente para cada vez menos gente que zarpa em busca de oportunidades que aqui não encontram.

Fernando Pereira
10/12/2017


8 de dezembro de 2017

Bibliofalando! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-12-2017




Bibliofalando!
Resolvi dedicar os últimos meses a um exercício quase obsessivo de pôr em dia uma série de leituras de livros em que o tema era Angola.
                Comecei pelo livro de José Reis, “Angola o 27 de Maio, memórias de um sobrevivente”, editado pela Vega, e quando cheguei ao fim não consegui esconder a deceção de ter lido um relato cheio de hiatos, pouco rigoroso e sem qualquer relevância para contribuir para que o 27 de Maio de 1977 possa começar a ser devidamente esclarecido pelos sobreviventes. O livro parece ter sido feito a medo e a irrelevância de certas descrições tornam um livro pobre vindo de uma pessoa de quem esperava francamente mais.
                Comentando com um amigo comum o livro, e manifestando a minha deceção, foi-me adiantando que iria sair um segundo livro sobre o mesmo assunto. Confesso que despercebo porque é que não saiu com tudo no primeiro, que repito é paupérrimo nos fatos descritos.
                Também editado pela Vega, de Hugo Azancot de Menezes, “Percursos da Luta de Libertação Nacional”. Um livro que são memórias pessoais numa viagem ao interior do MPLA. O livro é interessante, pouco elaborado na verve, mas sobretudo um documento importante sobre a luta de libertação nacional e as querelas internas no seio daquele MPLA que muitos de nós não conhecíamos, mas que acabámos por herdar nos tempos conturbados do dealbar da independência.
                Hugo Azancot de Menezes acrescenta uma nova versão da data de nascimento do MPLA, situação recorrente entre todos os seus conhecidos fundadores e outros que acham que terão estado nessa génese. Cada depoimento de um “pai fundador” do MPLA só vem lançar uma nova confusão na data em que o Movimento foi criado, deixando-nos justificadamente incrédulos perante a historiografia oficial, que remete a fundação para o 10 de Dezembro de 1956.
                Não fora os exageros das notas de Carlos Pacheco, e o livro lia-se bem! As notas exacerbam algumas situações que não sei se teriam sido do agrado do autor, o que torna o livro algo pesado, mas não lhe retira em nada a contextualização histórica. Um livro a ler.
                De José Manuel da Silveira Lopes, também da Vega, saiu o livro “O Cónego Manuel das Neves, um nacionalista angolano”, um ensaio de biografia política. Uma obra interessante, feita com rigor e que provavelmente coloca o Cónego Manuel das Neves como uma das figuras cimeiras do nacionalismo angolano, transversal a todos os movimentos de libertação. Queria a independência do território para a dignificação do cidadão angolano, tão vilipendiado pelas autoridades coloniais e por todo o sistema vigente!
                Durante anos ignorado pela historiografia oficial, o contributo do cónego Manuel das Neves e a postura coerente do Arcebispo Moisés Alves de Pinho deram um contributo muito importante para o início da luta armada, e fizeram sentir na comunidade católica os desmandos do sistema colonial português em África. Esta obra tenta ser rigorosa, sustentada pelos documentos possíveis, pois era útil utilizar os arquivos da PIDE em Angola, se é que existem, ou se estão conservados, para responder a inúmeras dúvidas com que os investigadores se deparam quando tem que fazer algum trabalho sobre gente de Angola. Um livro a merecer leitura atenta.
                Neste espaço de tempo em que tive oportunidade de ler alguns livros posso dizer que não me alongarei muito sobre a obra de Leonor Figueiredo, porque parte sempre do princípio que o MPLA é sempre culpado de alguma coisa! A autora faz um conjunto de entrevistas a várias pessoas, e o que se retém é a existência de grupos pequenos, demasiado circunscritos à discussão teórica do M-L e com pouca intervenção ao nível da luta que havia no País. Circunscrevia-se a Luanda, na Universidade e acho que o título “O fim da extrema-esquerda em Angola” talvez seja manifestamente exagerado, como é um exagero o subtítulo “Como o MPLA dizimou os Comités Amílcar Cabral e a OCA (1974-1980)” e que é o leitmotiv do livro. Sinceramente não gostei, mas é uma opinião subjetiva. Editado pela Guerra e Paz.
                Neste conjunto de livros deixei propositadamente para o fim, o livro “Joaquim Pinto de Andrade, uma quase autobiografia”. Livro graficamente excelente organizado por Diana Andringa e a sua esposa recentemente falecida Vitória de Almeida Sousa, com posfácio do advogado Mário Brochado Coelho e editado pela Afrontamento.
                Um livro que é o conjunto de cartas, notas, testemunhos do que foi o percurso de um dos valorosos combatentes pela independência de Angola, que mereceria mais respeito e admiração pelos que hoje fazem depoimentos para uma futura história de Angola. Conheci-o e pontualmente tínhamos as nossas divergências, mas sempre me habituei a ver Joaquim Pinto de Andrade como uma referência no grupo restrito dos que combateram o colonialismo, com ideias muito definidas e intransigente nos princípios. Pouco dado a cedências nos valores de defesa do humanismo e da cidadania plena para os angolanos. Foi um combate de uma vida.
                Um livro mais que recomendável, porque só se pode dar futuro ao presente com o cabal conhecimento do passado.
                Charles Bukowski dizia: “É preciso sempre tentar, é melhor ter desilusões que arrependimento”
                Como ando numa voragem de leitura, prometo em breve nova crónica sobre os que já li e o que irei ler em breve. Não perdem pela demora!

Fernando Pereira
19/10/2017



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