“A ideia também muda a pele, como a serpente”
Guerra Junqueiro
Finda a efervescência eleitoral,
amansados os egos e guardados os pregos, repõem-se a modorra em que cai a
politica local nos tempos seguintes ao pleito eleiçoeiro.
Eça de Queiroz, na sua verve
imorredoira, deixou-nos figuras picarescas que se vão perpetuando no tempo e no
quotidiano político do País.
Uma das facetas, sem dúvida das mais
curiosas, da ironia de Eça, é a que se refere ao nosso país, quer
ridicularizando a megalomania histórica de alguns portugueses, quer pondo em
evidência a imbecilidade e incompetência dos homens públicos, quer ainda
criticando a mesquinha vida portuguesa, como a politiquice, a falta de
organização, a tacanhez de pensamento, etc., tudo isto consequência direta da
malformação educacional cívica da população.
Do “Teodoro Raposo” da “Relíquia”, ao
“Castanheiro” da “Casa de Ramires”, ao “Pacheco” de “Fradique Mendes” ou ao
“Conde de Abranhos” da homónima obra e
outros, todos são ridicularizados e transformados em picarescas personagens
pela verve corrosiva de Eça de Queiroz.
Vou-me reter no traçado caricatural
do Conde de Abranhos, que singrou admiravelmente, mesmo nas marés mais
encapeladas, mercê duma forte dose de manha e espantosa facilidade de
adaptação.
Com efeito desde a
adolescência, Alipio Abranhos manifestara abertamente a tendência para aquilo
que se define por “não olhar a meios para conseguir os fins”.
Trabalhava como advogado no
escritório do Dr. Vaz Correia, amigo do “Desembargador Amado”, homem tão
tacanho de inteligência quanto era desmedido em nutrição e fortuna, que vivia
com permanente apreensão perante as ofensivas de Alipio a sua filha, e assim
pudesse deitar mão à rica herdeira de seus milhões.
Ultrapassada essa fase através de um
hilariante episódio descrito na obra, em que a manhosice de Abranhos vingou,
levando a noiva e o seu dote ao altar, o Conde atirou-se a novos
“empreendimentos” e ei-lo destravado numa Lisboa onde o País sempre foi o centro,
o interior, o litoral e tudo o resto.
O seu comportamento na vida política
foi uma sucessão de expedientes melífluos, traindo infamemente os partidos a
que pertenciam adotando toda a sorte de sofismas, acobardando-se nos momentos
precisos, procurando enfim, explorar os primores das suas falsas qualidades de
grande génio.
O certo é, porém que chegou a ser
deputado e, mais tarde, como remate de tão brilhante carreira política,
ministro da Marinha.
Sic transit gloria mundi
Uma homenagem singela aos Abranhos portugueses!
Fernando Pereira
7/10/2017
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