16 de dezembro de 2016

Mínimas / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 16-12-2016



Mínimas
Estamos a viver um período pós-catártico, em que cada cêntimo de subida do preço do petróleo é recebido com uma euforia inimaginável em tempos não muito recuados.
               Continuamos a assistir a um País que desde os tempos do antanho só consegue viver em dois estados: o da euforia e o da descrença. Foi assim na alta do mercado dos escravos e na sua proibição. Foi no tempo do comércio da borracha e o seu declínio por concorrência com os mercados asiáticos. Foi no tempo da cultura do sisal em alta de preços no tempo da 2ª Guerra Mundial, e passou a uma planta quase ornamental por causa do aparecimento dos sintéticos. O café, essa cultura que construiu avenidas em Lisboa e bairros em Luanda, caiu a pique no dealbar dos anos 70 do século passado quando a Organização Internacional do Café (um cartel de meia dúzia de produtores de café muito fechado) se vê confrontada com outros produtores, principalmente de países em que acabadas convulsões internas puderam colocar no mercado um produto melhor e a preços mais competitivos. A partir do fim dos anos 70 tem sido o sobe e desce do preço do crude a alimentar o quotidiano maniqueísta do angolano!
               Da esperança à desesperança vão uns dólares menos no preço do petróleo, e os que governam ufanos da sua capacidade de gestão no tempo da largueza, entram imediatamente num estado de catatonismo gericence , com os resultados a evidenciarem-se todos os dias em largos sectores da atividade social e um pouco na incipiente atividade produtiva do País.
Nestes dias assistimos ao Congresso do MPLA, que poderá ser decisivo para o futuro próximo de um País exaurido das suas riquezas, manietado por falta de recursos para o futuro e desconfiado de todos os que governam ou mandam, que nalguns casos não acumulam as mesmas competências. Claro que o quadro não será tão mau dirão alguns, é pior ainda dirão outros.
Parece-me que mais uma vez vai prevalecer o bom senso possível no partido que nos governa desde a Independência, e na minha opinião pessoal ainda bem!
 A substituição requentada de José Eduardo dos Santos pode trazer “sangue novo” ao MPLA e trazer alguma modernidade de métodos e mudança de léxico.
O significado maior das mudanças que se estão a operar, e eu corro o risco de estar a escrever isto sem ter dados concretos, assentam sobretudo num fim de ciclo. Não tanto pela saída de José Eduardo dos Santos, que merece um obrigado generalizado pela forma como dirigiu o País em situações de grande dificuldade, mas acima de tudo pelo fim do repisado “guerrilheiro”, do “maquis” e da “luta contra o colonialismo”.
Acabou isso, hoje isso é para começar a ser trabalhado pelos historiadores, antropólogos e documentalistas, e temos que utilizando uma frase de Agostinho Neto “passar a puxar as noras com as nossas próprias bestas”, fazer melhor o trabalho e arranjar cada vez menos desculpas. Não podemos continuar a culpar o colonialismo de uma parte do que não conseguimos fazer, e atirar responsabilidades para as “minas e armadilhas” que foram os últimos discursos de responsáveis máximos que tiveram um eco risível nas caixas-de-ressonância dos “yes men” do regime.
A oposição ao MPLA é frouxa porque não se consegue libertar dos escolhos de outros tempos, e está sempre com receio que os pardacentos esqueletos saiam do armário e que contaminem a sociedade angolana. São só uma franja do MPLA com outros fantasmas e uns e outros acham que o Halloween é permanente e os seus fantasminhas, justificam a inoperância e a falta de dinâmicas novas que promovam mudanças, e acima de tudo façam os angolanos mais felizes.
Angola pode ser um bom País, não é necessário pensar-se que tem que ser um grande Pais, porque também não tem condições para o ser. Ter alguns cidadãos com 10 Rolexes no braço não é sintoma de nada, melhor significa “parolice de novo-riquismo”, pois o que dignifica um País são valores sedimentados de probidade na administração pública, um povo culto, bem alimentado, com saúde, com emprego e que traga a dignidade a gente  que merece deixar de ser sofredora e pasto fácil para que ONGs duvidosas e Igrejas de dogmas misturadas com cifrões, consigam continuar a trabalhar e a minar os alicerces de uma ordem institucional que tem que ser garante da cidadania plena dos angolanos.
Muitas vezes, é preciso um mau motivo para fazer a coisa certa! A minha grande experiencia da torpeza humana ensinou-me que o dinheiro não se perde. Engana-se no bolso, é tudo! Julgo haver bolsos onde se dê uma volta porque caiu lá mal o dinheiro!
Desculpem o devaneio, mas quando se discutem o lugar das “bundas” num congresso, neste caso do partido do poder, uma bunda de luxo americana recebe uns milhares de dólares por se passear sem se submeter a sufrágio. Uma desbunda! Este é um dos exemplos que me desgosta no País!

Fernando Pereira

5/12/2016

21 de outubro de 2016

“Conde de Abranhos” nos trópicos / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 21-10-2016




“Conde de Abranhos” nos trópicos
“Infalível, também, era o Doutor, aquele cavalheiro estimável, mas de aspeto lúgubre, que todos apenas conheciam por este nome: o Doutor.
Sempre vestido de preto, sempre de luvas, amarelo como uma cidra, persistia na sua mudez taciturna; porém, continuava a escutar com uma atenção intensa, a testa franzida, piscando vivamente os olhos, como num profundo trabalho cerebral.
Respeitador fervente das instituições, das personalidades oficiais, ninguém sabia ainda onde ele vivia, nem de que vivia: mas precipitava-se com tanta veneração (porque era homem de sociedade) a tomar as xícaras vazias das mãos das senhoras, dizia com tanta convicção, na sua voz cavernosa, «tem V. Exª carradas de razão»; que era geralmente considerado como um excelente moço.”
Este é só um delicioso detalhe, da farsa o “Conde de Abranhos” ,que o escritor português Eça de Queiroz (1845-1900) fez sobre a sociedade do seu tempo no período conturbado da 1ª experiencia constitucional portuguesa!
O “Conde de Abranhos” era a personagem típica do carreirismo, “carneirismo” e bajulice no seu pior, e infelizmente acontecendo em várias latitudes e na vivência quotidiana de sociedades que não passam de ter este “status”.
O Conde de Abranhos estudou na Universidade de Coimbra, onde começou por denunciar um colega, o que lhe permitiu passar a usufruir favores dos seus superiores. Simultaneamente envolve-se com a “criada”, que fica grávida e imediatamente abandonada, e o rapaz recém-nascido completamente esquecido. Vai para Lisboa, trabalho no escritório do causídico Vaz Correia, que o guinda a redator chefe do Jornal “Bandeira Nacional”.
Percorrendo os corredores do poder, casa-se com a filha do Desembargador Amado, Virgínia de seu nome, o que lhe assegura de imediato 10 mil cruzados de renda, e fundamentalmente abre-lhe as portas de S. Bento (Assembleia Nacional de Portugal). É eleito deputado por Freixo de Espada à Cinta, onde faz discursos, vazios de conteúdo, sobre a reforma das instituições, a política colonial e o caminho-de-ferro do leste. Como os tempos não corriam a favor da sua linha política, não faz disso um problema, e passa-se com armas e bagagens para oposição que em troca o coloca como um “cinzento” Ministro da Marinha, lugar que ocupa como “estátua” durante dois anos sem que alguém dê por ele.
Trouxe aqui o “Conde de Abranhos” porque ilustra o quotidiano do poder, dos títulos tantas vezes conseguidas à custa de coisa pouca ou coisa nenhuma, e da influência que certas criaturas tem nos corredores do mando sem que possuam qualquer tipo de competência, legitimidade académica e comprovada experiencia na gestão de qualquer coisa pública.
Fazem-se as cadeiras em função dos rabos de quem usa argumentos para se lá sentar, nem sempre os mais ortodoxos, e frequentemente a cadeira é feita para à medida de gente que se encostou a quem tenha força suficiente para os lá colocar. Temos que recuar ao império romano, que com toda a sua corrupção e nepotismo nas hierarquias do poder havia um cuidado muito especial para se escolherem os rabos dos cavalos que equipavam as quadrigas, por forma a não destabilizarem toda a carruagem nas lutas que se iam fazendo nos jogos, nas batalhas e no transporte de pessoas de elevada importância.
Acho que um exercício saudável seria o regresso aos clássicos, e já agora porque não voltarem-se a ler alguns vultos das letras que em português escreveram, e muito bem, e pegar num Eça de Queiroz, Olavo Bilac, Manuel Bandeira, Ramalho Ortigão, Guimarães Rosa, Camilo Castelo Branco, Fialho de Almeida, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues (Recentemente o Elinga encenou “Mulher sem pecado”), Jorge de Sena, Aquilino e tantos outros para que reaprendamos a escrever, e ver que a frase de Marx do “Dezoito Brumário de Louis Bonaparte” (!852)A história repete-se, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.” É de uma acuidade permanente no quotidiano vivível.
O “Conde de Abranhos” é uma farsa, e é também um vivendo para onde os angolanos vão sendo involuntariamente empurrados, fruto das realidades que se vem na mudança de cadeiras do governo central, e nos governos provinciais, o que deixa no ar que há poucas soluções para os rasgos da política económica e social que caminha de crise em crise sem solução à vista.
Aguardemos melhores dias!

Fernando Pereira
26/9/2016



14 de outubro de 2016

O lugar do morto - O Interior- Guarda 13/10/2016



O lugar do morto
As forças vivas da Guarda, e algumas que se julgam vivas e estão mais que moribundas vão-se entretendo com alguns jogos florais.
               Entre o bate e o abate de árvores, de manter ou fazer desaparecer “bucho” vou olhando com interesse para o edifício de Vasco Palmeirim (Regaleira), o Hotel Turismo, obra de tomo do Estado Novo, no âmbito de um conjunto de hotéis entregues à supervisão do arquiteto Raul Lino. A verdade é que há anos que encerrou as portas, depois de um período de morbidez de vários anos e sucessivos executivos da Camara Municipal da Guarda.
               Por estar no centro da cidade, a sua degradação vai-se evidenciando e fundamentalmente acentua-se a indefinição do que será o seu futuro! Aguardemos as cenas dos próximos episódios, e que promessas novas virão abrilhantar a pré-campanha eleitoral que já se começa a viver.
               Eu não vivo na Guarda, embora tenha no meu quotidiano a maioria da atividade social na cidade.
               Ocasionalmente tenho que ir a velórios, de pessoas que me merecem consideração, seus familiares próximos ou até meus familiares e confesso que é confrangedor como a cidade trata os seus mortos.
               Sei que os autarcas não gostam de gastar dinheiro com “mortos”, ou melhor enterrar dinheiro em obras que tenham a ver com gente que tenha falecido. A síndroma “Odorico Paraguaçu” da novela brasileira “O Bem-amado” do dealbar dos anos 70 no Brasil, e que foi um êxito em meados dos anos 80 na TV portuguesa, ainda se vai mantendo no subconsciente dos autarcas, e recusam ao máximo alterar o que quer que seja que tenha a ver com mortos. Para os que não conhecem a história, ela decorre em Sucupira cidade do nordeste brasileiro onde Odorico, um perfeito venal, corrupto e demagogo decide como obra grande do seu mandato a construção de um cemitério na cidade, com o argumento que os mortos deixassem de ser sepultados numa cidade vizinha. A excelente telenovela tem o seu enfoque na ausência de mortos para o cemitério, que se terá revelado um “elefante branco”, naturalmente aproveitado pela oposição. Odorico tenta tudo mas ninguém morre, e não consegue inaugurar o cemitério, e contrata um “cangaceiro” para arranjar uma vítima. O homem, que se queria regenerar acaba por assassinar o perfeito, que vê o cemitério inaugurado pela oposição graças ao seu próprio cadáver.
               A Guarda devia ter um local com alguma dignidade para que amigos, familiares e conhecidos de alguém que morra, lhe possa fazer um velório com a dignidade que qualquer pessoa merece no momento da despedida.
               Os amortalhados vão para um anexo da Igreja da Misericórdia, onde ficam numa sala exígua, mal iluminada, fria, sem apoio de sanitários decentes num lugar com uma entrada quase clandestina, que dá para uma rua onde o vento no inverno nos “embala e abraça”!
               A Guarda merecia um local condigno, ventilado no Verão, aquecido no Inverno, com algum apoio (águas, cafés, por exemplo) e onde as pessoas pudessem confortar os familiares do defunto no féretro.
 Outro detalhe não negligenciável tem a ver com a falta de um local de recolhimento a defuntos que não professem a religião católica, e que não conseguem ver salvaguardados os seus direitos de cidadania na hora do seu passamento.
Acho que a Guarda mereceria a construção, ou mesmo adaptação de um centro funerário que dignificasse a cidade, e não o espaço onde se fazem quase todos os velórios das Ex freguesias da Sé e S. Vicente.
Acho que era um bom motivo de reflexão e debate com caracter de urgência!

Fernando Pereira

9/10/2016

8 de outubro de 2016

Cantilena do povo

Fui encontrar um dos artigos que escrevi com o pseudónimo de "Vila Cândida" no Correia da Semana nº3 de 30 de Janeiro de 1993. Já nem me lembrava dos meus tempos de "Pena de Ouro" do jornalismo angolano,eheheh!!!





Artigo no "Jornal de Angola" de 17 de Setembro de 1994

Hoje andei a arrumar umas tralhas e fui descobrir um artigo que escrevi para o "Jornal de Angola", onde colaborei uns anos. Este artigo saiu precisamente no dia 17 de Setembro de 1994.
Engraçado como as coisas naquele tempo já aconteciam!!!




7 de outubro de 2016

REQUIEM / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 7-10-2016








REQUIEM


Já começo a estar num patamar da vida em que há cada vez menos coisas que me surpreendam!
A semana passada “perplexei-me” com a leitura do livro de Rita Garcia, “Luanda como ela era 1960-1975”. Desde os tempos da Agencia Geral do Ultramar, ou da componente local CITA  (Centro de Informação e Turismo de Angola), que não conseguia ver um trabalho com tantos encómios a uma cidade pintada de branco. Foi o retorno ao “lava mais branco” onde a cidade branca era o paraíso e onde os não-brancos eram apenas criados, músicos ou meros figurantes.
               O livro em termos gráficos é interessante, as fotografias estão bem enquadradas, tudo o resto é um cantar loas a um modelo de sociedade em fim de festa, e que curiosamente poucos se davam conta disso! Se tivesse que fazer um comentário ao livro nos meus tempos do Liceu Salvador Correia, diria que era um “livro da sanguitada”. Hoje estou mais brando na verve, e não teria feito este artigo se hoje não tivesse lido uma entrevista da Rita Garcia à “Notícias Magazine” cheias de lugares comuns, como no livro, mas referindo-se aos anos da guerra, em Luanda, como "os doces anos em que o espaço não tinha fim e os dias morriam devagar num paraíso tropical". 
               A convicção com que fiquei, e note-se que li outros dois trabalhos da autora, foi que a jornalista Rita Garcia não terá feito uma avaliação cuidada quando resolveu fazer este livro, e provavelmente limitou-se a ouvir quem viveu Luanda a olhar sempre só para o mar.
               “ Luanda como ela era 1960-1975” é o livro que o saudosista puro e duro poderá oferecer aos seus filhos e netos no Natal, depois de pouco mais de quarenta anos a reduzir Luanda à cidade do asfalto, e a esquecer as prisões arbitrárias nos musseques, a segregação nos espaços públicos e o limitado acesso dos negros ao ensino, entre outras coisas que aviltavam a maioria dos naturais da Luanda pintada de cor-de-rosa esbranquiçado.
               As excelentes fotos que vão correndo ao longo do livro não deixam dúvidas sobre a Luanda até 1975: Uma cidade construída para brancos viverem, divertirem-se, trabalharem e esquecerem o dramatismo do que foram tempos coloniais, onde o estatuto do indigenato e o cartão de residência iam segurando um grupo de gente que “merecia o seu bocado de pão”, como dizia o poema do angolano Agostinho Neto.
               As comunidades brancas e negras viviam de costas voltadas. No Liceu Salvador Correia, o mais emblemático do território, a percentagem de negros e mestiços era ridícula comparada com os estudantes brancos. Posso dizer, eu que o frequentei durante cinco anos, que nunca fui a casa de nenhum colega negro, apesar de termos uma relação normalíssima nos bancos da escola. E esta era apenas um dos exemplos do distanciamento na sociedade luandense, que não se cingia ao Clube Naval, Nun’Álvares, Clube dos Caçadores, Barracuda, Mussulo, Dongo, S. Jorge, Restinga, Tamar, Contencioso e outros lugares onde nos esquecíamos de tudo o que se passava nos “bairros da terra vermelha”.
               Carlos Matos Gomes, militar reformado, autor de um conjunto de obras obrigatórias para o estudo da guerra colonial diz: “Luanda pode ter sido inesquecível para muitos e por muitos motivos, mas era caótica, ofensivamente desigual em todos os aspetos, do social à urbanização esse é um facto e a prova de que, tal como Rio de Janeiro, os seus autores tinham conseguido estragar o lhe era natural.” Infelizmente em Luanda todos os trabalhos duros e mal pagos eram para os colonizados e isso fica registado para a história e os seus combates no futuro.
               Simultaneamente ao lançamento deste livro, de que prefiro não perder muito mais tempo, estreou em Lisboa o filme “Cartas da Guerra” de Ivo Ferreira baseado nos “aerogramas” de António Lobo Antunes para a sua mulher durante os dois anos e meio em que fez a guerra colonial em Angola. Ainda não vi o filme, mas li o livro e aqui no NJ fiz ao tempo (25-3-2011) a crónica onde acompanhei as observações escritas pelo então alferes Lobo Antunes sobre a “cidade inesquecível”.
               Cá vai: “Escrevo-te num domingo insuportável de calor, numa esplanada diante da baía...Que cidade horrível. É como passar um domingo em Benfica na esplanada Estrela Brilhante, com o chão cheio de tremoços e de detritos. Uns negros aleijados, arrastam-se a pedir esmolas, outros oferecem-me cinzeiros de madeira, objectos esculpidos, jornais, farrapos e miséria. Nunca pensei vir encontrar tanta pobreza, tanta porcaria, tanto calor. Uns sujeitos sebentos, de pasta, trocam escudos por angolares, com 12% a mais. Mas é tudo caro, tórrido e feio.
...Ontem um amigo daquele outro médico afinal conhecido, levou-nos a visitar a ilha, uma espécie de promontório com praias de um e outro lado, casas, um clube de golfe. Uma espécie de Rodésia vista por um mestre-de-obras de Tomar.
...Luanda está longe de ser uma cidade vivível: toda ela é uma espécie de Areeiro de província, com o mesmo pretensioso gosto suburbano, e os brancos daqui têm todo o mesmo indefinível aspecto dos vendedores de automóveis daí, de patilhas sem classificação social, camisas transparentes, e mulheres tipo locutoras de rádio, demasiado bem vestidas para serem inteiramente honestas. Os musseques são uma espécie de bairro da Boavista ampliado, em que os moradores fossem todos jogadores do Benfica. Só a terra é que é vermelha, como a areia dos estádios, e as noites cheias de murmúrios de insectos e de folhas, mergulhadas num mormanço de suor.
O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a pôr os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto porque, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos, porque a maneira de vestir destes tipos é absolutamente execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. Não há em Luanda absolutamente nada que preste: as poucas estátuas que tem, ultrapassam em mau gosto tudo o que se possa suportar, os edifícios são todos no género daquele em que mora o Souto, e que para mim representa o paradigma da fealdade. É uma excrecência absurda e estúpida. E estes tipos aqui acham Luanda um paraíso, uma espécie de Rodésia em melhor. Não nos agradecem o nosso sacrifício por eles, e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência desdenhosa de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver numa cidade sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.”
               Duas visões, e eu que nasci e cresci em Luanda não me revejo em nada com a da Rita Garcia, e pontualmente estou de acordo com a azia que impregna as cartas de Lobo Antunes.

Fernando Pereira

3/10/2016



Recebi este comentário do Leonel Cosme, e por ser extenso não o posso colocar no local dos comentários.Coloco-o aqui pela relevância que tem! Publicado no Artes e Letras!

ANGOLA nas memórias das guerras modernas
Há anos que deixei de ler livros sobre a chamada Guerra Colonial – que, conforme os tempos e as circunstâncias, também foi chamada Guerra do Ultramar e Guerra de Libertação. O último que ainda me mereceu um relance de olhos foi um trabalho da jornalista Rita Garcia, S.O.S.Angola – Os dias da ponte aérea, editado em 2011, do qual guardei uma impressão positiva, não obstante o facto de a autora, nascida em 1979 e em Lisboa, não ter feito parte directa da saga dos retornados. Baseando-se naturalmente em memórias alheias e escritos sobre aquele evento ocorrido em 1974-1975, considero que, literariamente, produziu um trabalho respeitável. Depois, escreveu mais dois livros, cuja publicação só vi noticiada, sobre “os que vieram de África” e “Luanda como ela era-1960-1975”, este sendo recentemente objecto de reparos num conceituado semanário de Luanda, Novo Jornal, em recensão de um seu reputado colunista, nascido e criado em Angola, Fernando Pereira.
Pese embora alguma reserva, logo pensei: terá a autora, desta vez, seguido a tentação do sapateiro que foi além da chinela? Se assim foi, terá navegado naquela nau aventureira do mau jornalismo que, pela irresistível tentação do sensacionalismo, não acrescenta nada de novo, repetindo o que está visto e sabido.
Concedo que é comum acreditar nas palavras e memórias de quem não temos razão para duvidar. E que se aceite como válida – como teorizou um comentador do último livro de António Lobo Antunes – (…) “a palavra que se deseja longeva, ou seja, a sobrevivência da literatura à passagem do tempo, às brancas que a memória possa ter no espetáculo da vida.” Só que, tratando-se de literatura escrita em papel (digitalizada é outra coisa, como sabemos), toda a prudência será pouca se pensarmos que com documentos, bons ou maus, se faz história. Donde, em princípio, a prudência aconselha que o testemunho de quem passou por Angola (por África, melhor dizendo), nela viveu e, pressionado pelas vicissitudes da dita Guerra Colonial, teve de fugir deixando tudo quanto exprimia o seu sentido de pátria (original ou adquirida) – ubi bene, ibi pátria diziam os latinos – seja tomado como a “sua” memória e não como a memória de “todos”.
Neste pressuposto, decidi avocar o testemunho do consagrado escritor António Lobo Antunes, transcrito naquele citado artigo de Fernando Pereira – significativamente intitulado “Requiem” – que nas Cartas da Guerra dirigidas à esposa verte a sua diatribe por Luanda (e Angola por envolvência) de oficial–médico do exército português compelido para a Guerra do Ultramar. Respigo:
“O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a pôr os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia, pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos, porque a maneira de vestir destes tipos é execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. (…) Não nos agradecem o nosso sacrifício e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.”
 Em minha opinião, nada desculpa tão errónea visão da capital angolana e seus moradores obviamente brancos e da classe economicamente privilegiada, manifestada logo na maneira de vestir e na posse de automóveis americanos... Enfim, ”gente que vive sem passado, quais descendentes dos degredados”.
 Tolere-se que o militar compelido, por alegado dever patriótico, a fazer e sofrer, no mato, durante dois anos, uma guerra com que não concorda, acumule tensões psicológicas que distorcem até a visão da realidade e o sentido das coisas. Mas não menos sofrido será o colono culturalmente impreparado para compreender e aceitar os ventos de mudança que lhe arrasaram uma vida conseguida à custa de muito trabalho, renúncias, sacrifícios e, não raro, lágrimas. Para este, a Guerra é só uma, a despeito dos rótulos, quer seja o de Ultramar, Colonial ou de Libertação, conforme respeite ao regime de Portugal, ao critério da ONU e à luta dos povos colonizados.
   Pois essa vida de “portugueses-outros”, que não poderá ter começado sequer com a última geração dos “lançados” ou “degredados” em África (já o tinham sido no Brasil, igualmente ao que acontecera, ainda no século XIX, com os ingleses, franceses, holandeses, espanhóis e outros, expatriados para as colónias da América, África e Oceania), não se confundem sequer com os “portugueses-novos” que  arribaram a Luanda, de fato e gravata, vindos directamente da Metrópole, ostentando  a sua classe montados em automóveis americanos… O comum dos brancos naturais ou há muito residentes era  uma vida frugal, casa alugada ou, se própria, geralmente paga em prestações através de  cooperativas de habitação ou de crédito bancário. Não conheciam a palavra aforro… Com o que lhes “sobrava” de um salário geralmente mediano podiam, quando muito, comprar um carro utilitário também a prestações.   
A meio da década de 50 começara o “boom” do café e das explorações mineiras (os diamantes, o marfim, a cera e o couro já vinham de trás) e, geridos em Lisboa, os primeiros negócios da exploração do petróleo, logo a seguir impulsionados pela “abertura” do Regime aos Planos de Fomento e à implantação da Banca privada. A última Guerra do Ultramar tinha começado em 1961 e os novos descobridores de oportunidades aproveitaram as marés para lançarem as suas naus… Então a população de Luanda explodiu em número, qualidades e defeitos, originando os ricos-novos de várias cores, fazendo jus ao provérbio quimbundo: Mu Luuanda, mu uauaba: mu izê mukûku, ubiluka ndua. (Luanda é boa: não vem cuco que não se transforme em andua).     
Vale registar, para quem não saiba ou se esqueceu, que na capital angolana – segundo o investigador Francisco Lopes Roseira -, em 1832, dos seus 5.059 habitantes  966 eram elementos das instituições religiosas, militares do Destacamento de Portugal e funcionários públicos em comissão de serviço. Os desterrados por delito comum estavam distribuídos por presídios criados em várias regiões, de Norte a Sul, devendo-se a eles, em muitos casos, as primeiras pedras do edifício colonial.
Mas não se confunda com generalizações. A colonização de Moçâmedes foi iniciada, em 1849-50, por portugueses sem mácula criminal fugidos de Pernambuco às pressões da Revolta Praieira, e a colonização da Huíla, em 1884-85, por gente simples da Madeira. A “pior canalha do Reino”, como lhe chamou o Governador Paiva Couceiro em 1910, estava fixada sobretudo nos principais centros populacionais, como Luanda e Benguela, em Depósitos Penais, criados em 1883. E não se confunda também quem foram os desterrados do Brasil, implicados na Inconfidência Mineira, em 1789, como o naturalista José Álvares Maciel, o poeta Inácio José de Alvarenga Peixoto, o coronel Domingos de Abreu Vieira, o tenente-coronel Luís Vaz de Toledo e o sargento-mor Francisco António de Oliveira Lopes.
 Ainda mais inconfundível: já no começo do século XX, foram desterrados, em 1927, os dissidentes do 3 de Fevereiro no Porto e do 7 de Fevereiro  em Lisboa: Henrique Galvão, Camilo de Oliveira, Luciano Augusto Dias, Gervásio Campos de Carvalho, Agatão Lança e Manuel Marques Teixeira – alguns revertidos, mais tarde, em governadores.
Sendo também jornalista, não falo de outiva: cheguei a Angola em 1950, onde vivi até finais de Outubro de 1975, quando a invasão do Sul de Angola pelas tropas sul-africanas e o conluio com a UNITA, a FNLA e o ELP me obrigaram e à minha famíliia, in limine, a regressar a Portugal, com recurso à ponte aérea. Voltei a Angola para cumprir um contrato de trabalho entre 1982-87. Em 2005, fiz a última visita a Luanda. Foi neste período que vi as velhas casas de sobrado substituídas por inimagináveis arranha-céus; muitos moradores que tinham trocado o calção de caqui e a camisa sem mangas por fatos de casaco e gravata; outros moradores que chegavam, nos períodos de descanso, outrora a pé ou saídos do machimbombo, à livraria Lello para comprar ou conhecer as últimas novidades literárias (permitidas ou proibidas) ou ao vizinho café Biker para cavaquear (já conspirando…) em torno de um copo de cerveja, agora impedidos pelo trânsito infernal dominado por vistosos carros, importados de todo o mundo, rumo ninguém imaginava a quê. O tempora! o mores!
  Enfim, seja por resgate, catarse ou moenda que se continuam a escrever livros dizendo o mesmo (às vezes deliberadas mentiras ou falsidades) sem acrescentar nada de novo ao que se conhece, manterei o propósito de não ler mais livros com estórias de vida de regressados, civis ou militares, ao único país onde não serão estrangeiros.
                                                                                               LEONEL COSME
  P.S. Em consideração do espaço, faltou dizer que, só com a segunda chegada de Diogo Cão, em 1484, a Angola, foi estabelecido um curto período de verdadeira “colonização missionária”, usando a expressão de Adriano Moreira.


13 de agosto de 2016

O Internacionalismo Olimpico / Ágora / Novo Jornal / Luanda 12-8-2016




O Internacionalismo Olimpico


Há quase cinquenta anos que assisto a cerimónias de aberturas dos Jogos Olímpicos, e em cada quadriénio tento comparar umas e outras com a mais recente.
               No fim-de-semana assisti à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, corolário de uma vitória da persistência do Presidente Lula da Silva há sete anos, que não merecia tamanha vilania ao ver um fantoche golpista abrir os jogos, debaixo de uma monumental vaia, algo jamais visto desde 1896.
               Temer merece isso e muito mais, porque as golpaças em democracia tem que ter consequências agravadas, para os que querem subverter a legitimidade constitucional, albardados em expedientes miseráveis e soezes. A assobiadela que “aplaudiu” a sua intervenção deixou-me muito contente, e como diria João Ubaldo Ribeiro ao titular a sua obra-prima de contos: “Viva o Povo Brasileiro”!
               Gostei da sobriedade da abertura dos Jogos Olímpicos do Brasil, do seu extraordinário compromisso com o passado da sua história, da passagem da sua afirmação de ritmos musicais, a referência descomplexada da miscigenação de culturas de povos de origens tão díspares e sobretudo adorei as mensagens que foram sendo transmitidas com a simplicidade e a alegria que os brasileiros são capazes de dar. Gostei de ver um dos meus heróis da adolescência, o queniano Kipchoge 'Kip' Keino, que recebeu, e muito justificadamente o primeiro laurel olímpico, galardão criado pelo COI para homenagear alguém que encarne os valores do ideal olímpico.
               É fácil entender que o interesse pela competição desportiva aumenta, dum modo particularmente agudo, por ocasião dos Jogos Olímpicos. A sua periocidade quadrienal e demais características tradicionais, bem com o a presença da totalidade dos países do mundo, faz deles a competição desportiva de excelência.
               Resolvi folhear “As bases filosóficas do Olimpismo moderno”, o texto de Pierre de Coubertin (fundador do movimento Olímpico e o pioneiro dos Jogos Olímpicos da Era Moderna) que autentica os valores dos jogos Olímpicos, e que poderiam inserir-se na defesa dos direitos fundamentais do Homem. Não só porque o desporto-prática proporciona ao praticante inegáveis benefícios de ordem fisiológica, psicológica, de integração social e ainda de expressão e comunicação, mas porque as exigências do desporto-prática abraça mutações pronunciadas ao nível das estruturas sociais, económicas e políticas injustas.
               Entre várias considerações sobre o olimpismo, e que seria fastidioso estar aqui a referir, apesar de se revestirem do maior interesse, recordo algo que ele vai formulando ao longo do texto: “Para que cem se dediquem á cultura física, é preciso que cinquenta façam desporto; para que vinte se especializem, é preciso que cinco sejam capazes de proezas espantosas”. E prossegue: “Mas ser uma elite não chega; é preciso que essa elite seja uma cavalaria. Os cavaleiros são, antes de tudo, irmãos de armas, homens corajosos, enérgicos, unidos por um vínculo mais forte que a simples camaradagem, já tão poderoso por si próprio; à ideia de ajuda mútua, base da camaradagem sobrepõe-se no cavaleiro a ideia da concorrência, de esforço, oposto ao esforço por amor do esforço, de luta cortês e no entanto violenta”.
              
Acho que vão ser uns bons Jogos Olímpicos e o Brasil merece que o sejam
               Vivam os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016!  

Fernando Pereira
7/8/2016

               

23 de julho de 2016

DESPORTO EM TRANSE/ Ágora / Novo Jornal / Luanda /22-7-2016




DESPORTO EM TRANSE
O recente afastamento da seleção angolana de basquetebol dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em Agosto, evidencia o estado caótico que o desporto de alta competição chegou, e a quase letargia que se apoderou do desporto do País em geral.
               Não há propriamente uma falência da política desportiva, o que há é a situação absurda de não haver politica desportiva visível por parte dos órgãos estatais competentes, e todo o quadro federativo e associativo  se depara com uma realidade pungente de falta de perspetivas num futuro próximo.
               O futebol, modalidade de tomo, apesar do estapafúrdio investimento que se fez, está num lugar perfeitamente ridículo (137ºlugar), contudo melhor que o ranking da mortalidade infantil por mil habitantes onde ocupamos um “honroso” ultimo lugar! 
               Malbaratado que foi o edifício pacientemente construído há mais de trinta e cinco anos, encontramos hoje na seleção feminina de andebol o único esteio de que nos podemos orgulhar, nos areópagos internacionais do desporto de alta competição!
               Escusamos de buscar culpas externas, ou arranjar bodes expiatórios internos para conseguirmos expiar as nossas debilidades e fraquezas postas sistematicamente a nú.
               A educação física e o desporto são reflexo de um contexto politica, e o seu quadro institucional e organizativo é suportado pela afirmação de uma linha ideológica que se desejaria coerente. Infelizmente não é isso que acontece no País onde se mistura um arremedo de socialismo com o capitalismo selvagem acrescido de laivos de justicialismo, onde o cidadão deixou de ser o destinatário das decisões políticas, passando a ser um mero instrumento em que a sua vida piora entre o muito ou o menos que muito em função do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
               Não podem os responsáveis continuar a fazer declarações cheias de lugares comuns, que eternizam situações de continuada falta de soluções, e que empurram o que resta da educação física e desporto de Angola para um lodaçal, de onde dificilmente se sairá nos próximos anos.
               A educação física escolar e a formação desportiva das crianças, adolescentes e jovens são cada vez mais cerceadas pelas contingências da sociedade angolana atual, acrescida à falta de instalações adequadas. Neste quadro o futuro do desporto em Angola deixa de ter base de recrutamento e naturalmente é cada vez mais difícil encontrar a qualidade que se consegue encontrar na quantidade praticante.
               Os clubes, outrora lugares de eleição do associativismo, tornaram-se em espaços de vaidades pessoais, que servem para a promoção de certas figuras num espaço político onde a ascensão é cada vez menos por mérito e cada vez mais por visibilidade determinada só por populismo!
               Não vale a pena a continuarmos a” bater” sempre no ministro ou nos vice-ministros do Ministério da Juventude e Desportos, porque sendo os mais responsáveis não estão sozinhos neste estado de putrefação a que chegou o desporto angolano. Há mais gente responsável, entre dirigentes federativos, membros diretivos de clubes, jornalistas, e cidadãos, que como eu, acompanham de perto a evolução do desporto angolano desde o dealbar da independência.
               Faltam referências no desporto angolano, ou melhor falta dar visibilidade a pessoas que foram referencia no desporto angolano, e que hoje se limitam a emitirem opiniões em círculos privados, e a manifestarem profunda tristeza pelo rumo que as coisas tomaram. Essa gente tem que ser recuperada, pois foram pessoas que fizeram que Angola passasse a ser reconhecida com respeito na comunidade desportiva internacional, e beneficiasse de uma visibilidade que noutros setores dificilmente conseguiria.
               Angola tinha excelentes condições para ter pessoas a praticar desporto continuadamente, porque tem uma população jovem, um clima propício a atividades de ar livre e um passado de tradição na prática desportiva.
               Há necessidade de se fazerem novos enquadramentos, tomarem-se iniciativas e apoiarem-se projetos que promovam a prática da educação física no âmbito da recreação e do desporto federado. São necessários investimentos vultuosos, em áreas tão díspares como a formação de quadros, e planos coerentes de educação física nas escolas, onde terão de ser construídas infraestruturas adequadas a uma participação significativa de alunos.
               Os clubes necessitarão de algum apoio, que não seja para responder ao imediatismo dos resultados no plano da competição, para implementarem a formação, fazerem captação, e promoverem a sua participação numa atividade federada ao nível de todo o território.
               Este “edifício” exigirá organização e um esforço supletivo dos agentes políticos e uma das primeiras exigências é que no executivo o desporto passe a ter um estatuto de igualdade com os outros, e que não se fique apenas como necessidade de preencherem lugares para estabelecer equilíbrios de “grupos de status”, ou dar resposta às propostas comicieiras de alguns setores da estrutura partidária.
               A educação física e o desporto não estão isolados na sociedade, e a sua evolução ou a sua letargia dependem de um conjunto de fatores que tem a ver com a situação dos cidadãos, já que dificilmente se conseguirá implementar o que quer que seja, quando a míngua de produtos básicos se instala na generalidade da população.
Tem que se começar a prospetivar o futuro depois da falsa abastança que se viveu nestes últimos anos, e às vezes até nem será mau montar-se um modelo organizativo num quadro de dificuldades, e encontrarem-se recursos locais que contrariem a xenofilia dos tempos que acabámos de percorrer.
O debate fica aberto e todos os contributos serão recebidos com entusiasmo para que possamos mais cedo que tarde voltar à senda de vitórias no desporto angolano.
Fernando Pereira

16/07/2016

9 de julho de 2016

ADIVINHA QUEM VEM PARA JANTAR! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 9-7-2016




ADIVINHA QUEM VEM PARA JANTAR!
Talvez a maioria das pessoas desconheça que o filme “Adivinha quem vem para jantar”(1967), premiado com dois  Óscares da Academia em 1968 acabou por ver autorizada a sua projeção no Restauração, depois de múltiplas tentativas das autoridades coloniais para que o publico luandense não o visse. 
Em São Francisco, Matt Drayton (Spencer Tracy) e Christina Drayton (Katharine Hepburn), um casal da média burguesia americana, fica chocado ao saber que Joey Drayton (Katharine Houghton), sua filha, está noiva de John Prentice (Sidney Poitier), um negro. A partir de então dão início à uma tentativa de encontrar algo desabonador no pretendente, mas só descobrem qualidades morais e profissionais acima da média o que transforma o trama numa comédia de forte componente antirracista.
Nos Estados Unidos que saiam de uma violenta luta pela igualdade dos direitos raciais, este filme acabou por marcar um ponto de viragem no elitista cinema de Hollywood, pois leva para o grande ecrã uma relação que ao tempo tinha tudo de promíscua e fora do status quo vigente.
Em Angola a incomodidade do tenente-coronel Koch Fritz, o Torquemada da governação colonial era evidente, perante a celeuma que pudesse eventualmente surgir da apresentação do filme e foi adiando a decisão para que “de Lisboa houvesse alguma ordem”. A verdade é que o filme, apesar de truncado nalgumas passagens, passou no “Monumental” em Lisboa e foi um grande êxito de bilheteira, porque tinha ganho óscares e porque era uma revelação ver um romance e um beijo apaixonado entre um negro e uma branca no ecrã, numa sociedade fechada e organicamente racista.
Num diálogo no próprio filme lembra que o casamento entre pessoas de raças diferentes era proibido em 17 estados dos Estados Unidos, e acresce a isso lembrar que só em 1964 (três anos antes da estreia mundial do filme) durante o governo de Lyndon B. Johnson, foi aprovado o Civil Rights Act que proibiu a discriminação contra minorias raciais, étnicas, nacionais e religiosas.
O filme lá esteve discretamente a passar, com cortes que sacrificaram não só a sua qualidade, como também a própria história. Um beijo apaixonado e longo entre os atores provocou a ira do Ku Klux Klan, que motivou desacatos e invectivou espectadores em vários cinemas nos EUA. O público de Luanda não viu muitas das cenas que “chocariam a comunidade local”, e admito que foi um alívio do CITA quando o filme saiu do ecrã do cinema da Avenida do Hospital.
Já que se fala em filmes e cinemas, resolvo trazer à liça uma situação e que tem a ver com o abandono das salas de cinema do tempo colonial ou a sua transformação para outras atividades que nada tem a ver com o que fim para que foram edificados.
Nas redes sociais, e nalgumas conversas de gente que andará pelos sessenta, todos vão vivendo com saudade os tempos em que frequentaram esses cinemas, e olham com muita tristeza para o seu abandono, a sua adaptação a outras atividades ou a sua demolição.
Percebo as pessoas que gostavam da esplendorosa esplanada do Miramar, do Avis (Karl Marx), Império (Atlântico), Kipaka, N’Gola, S.João, Kilumba, Tivoli, S. Paulo, Tropical, Restauradores, Nacional, Colonial, etc., isto em Luanda, para depois falar do Flamingo no Lobito, Ruacaná no Huambo, Arco-íris no Lubango, Moreno no Uíje, N’gola no Namibe, o Nimas no Lobito, e tantos outros. As pessoas não tinham TV, os hábitos eram outros, as pessoas ao tempo eram jovens, e o cinema mais que um local para ver filmes, era um sítio onde alguns setores da burguesia se encontravam como um outro local de sociabilidade. Esse tempo acabou e hoje restam as ruinas e as recordações, por isso é ridículo que se comente o estado degradante a que a maior parte dessas estruturas chegou, apelando a que voltem a ser cinemas. Faça-se alguma coisa delas, isso sim, para que deixem de ter um aspeto desolador.
Já perguntei a alguns “indignados” no exterior que vociferam contra as autoridades por terem abandonado os cinemas, quantos estão em funcionamento em Lisboa ou no Porto dos que existiam em 1974. Talvez ajude que de 54 salas de cinema em Lisboa no ano de 1974 estão abertos dois cinemas, o S. Jorge (pertença da autarquia de lisboa, e dividido em várias salas) e o Satélite, contíguo ao antigo Monumental!
É absolutamente justo que se acabe com esta onda de “indignação” e que se guardem as energias para outros movimentos cívicos com mais enfoque na atualidade.
Recentemente saiu um livro de Miguel Hurst e Walter Fernandes sobre as salas de cinema de Angola em que tiveram a prestimosa ajuda das arquitetas Maria João Grilo, Paula Nascimento e Maria Alice Correia.
A obra é graficamente muito rica e muito interessante no seu conteúdo, e revela o trabalho extraordinário de uma plêiade de arquitetos que permitiram que se fizessem salas de espetáculos de excelência, que tivesse havido investidores com rasgo, mas que a voragem do tempo tornou-as em edifícios que jazem a aguardar tempos novos para outras utilizações.
E começou isto com o “Adivinha quem vem para jantar” !

Fernando Pereira

4/7/2016

24 de junho de 2016

Bom senso com o censo / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-6-2016

Bom senso com o censo.
Estive hoje a analisar com algum detalhe o censo geral da população publicado em Março de 2016. Fico com a ideia que é um trabalho sério e responsável e reúne todas as condições para que seja um instrumento indispensável para nortear decisões políticas assertivas, estratégias de desenvolvimento económico com razoabilidade e um planeamento social mais rigoroso.
               Este trabalho, que tem um carater científico, pode transformar “ideias feitas”, do discurso político prevalecente em “situações desfeitas”, baseada na evidência que são a teimosia dos números!
               Todos sabemos que temos uma população jovem com 65% da população com idade até aos 24 anos, num universo de 25.789.24 pessoas, das quais perto de sete milhões vivem em Luanda.
               Desvalerá pouco continuar a debitar números, porque eles estão acessíveis a todos os cidadãos, mas há leituras que urgem ser feitas rapidamente, e encontrarem-se algumas soluções na sociedade angolana num momento que o tempo urge, sob pena de perdermos o futuro!
               Será que o discurso das assimetrias e segregação social, económica e cultural do colonialismo continuam a ter eco na generalidade dos angolanos, quando apenas 7% dos angolanos teriam entre 18 e 21 anos à data de 11 de Novembro de 1975? Quantos se lembram do enfático 4 de Fevereiro, ou do 15 de Março de 1961?
               Com base neste trabalho pergunto quantas pessoas se lembram da transição de poderes do falecido presidente Agostinho Neto para José Eduardo dos Santos num cada vez mais longínquo 1979? Quantas pessoas têm presente a institucionalização da democracia pelo “decreto” que determinou o desaparecimento da sociedade socialista de partido único? A própria guerra contra a UNITA já começa a entrar no “esquecimento” das pessoas, e por isso hoje, eventuais sacrifícios pedidos são mal compreendidos, o que não deixa de ser de todo natural.
               A própria UNITA, ou o seu sucedâneo CASA, também não conseguem que as pessoas se lembrem do que foi politicamente Jonas Savimbi, porque quando ele morreu metade da população do País ainda não tinha 12 anos! Isto é mau para a oposição, mas também não é bom para os dirigentes do MPLA, a quem daria sempre um certo jeito ter um inimigo externo, ou interno, para que assacasse com as culpas de muita situação mal gerida e inapropriadas decisões na gestão da coisa pública.
               Pode-se dizer que a história transmite-se de umas gerações para outras, e que o facto da pessoa não ter vivido determinado momento, não quer dizer que não saiba o que aconteceu, nem que o valorize! Mas aqui também há muito pouco trabalho, de divulgação de tudo que aconteceu em Angola nos últimos cem anos, e a própria “história” recente de Angola é descrita um pouco de forma panfletária, e deixa pairar muitas dúvidas e desconfianças justificáveis nas gerações mais novas.
               O censo evidencia números preocupantes sobre um conjunto de situações que o discurso oficial tenta ignorar, nomeadamente no que concerne à esperança de vida dos angolanos, situações de desemprego, condições de salubridade das habitações e outras.
               Obviamente que este trabalho também reflete algum esforço que o executivo foi fazendo ao longo dos anos no sentido de melhorar alguns números, nomeadamente os valores da população alfabetizada e também a percentagem de homens e mulheres que frequentaram o ensino médio nas diferentes províncias do País, e outros que demonstram à saciedade que parte do caminho fez-se caminhando, e há números que refletem esperança no futuro, se não se teimar trilhar caminhos que se revelaram tortuosos ou sem rumo certo!
               O que ressalta disto tudo é a certeza que a Republica de Angola, nas suas amplas diversidades tem necessidade de olhar para o futuro com respostas cabais, porque cada vez se vê menos uma população remetida à sua condição de mera assistente. É aliás desejável que seja assim, porque uma população jovem e pouco exigente torna-se amorfa, e disponível para ser manobrada para propostas de transformação politica, social e económica que redundam a maiorias das vezes em “aventureirismo oportunizável”!
               O exercício do poder tem obrigação de dar cada vez mais respostas, porque as pessoas com cada vez mais formação e maior informação assim o exigem. O silêncio, as frases feitas, o panfletário, já não colhem no momento de “afogadilho” económico e a desconfiança é crescente nas instituições do Estado, o que leva a desacreditar a democracia que ainda dá tímidos e pouco resolutos passos no nosso País.
Para Max Weber o Estado Moderno era uma manifestação do movimento de racionalização da civilização moderna. Tratava-se, portanto, da materialização de uma estrutura burocrática, fundamentada em regras juridicamente estabelecidas e de poderes específicos independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
Pegue-se em Weber, trabalhem-se os dados do censo e haja bom senso que talvez renasça uma esperança que se vai teimando em manter à tona, mas com evidentes dificuldades de permeio!

Fernando Pereira

15/6/2016

18 de junho de 2016

TRRIM-TRIM! / O Interior / Guarda / 9-6-2016



TRRIM-TRIM!
Ainda não vieram os dias quentes de um esperado Verão depois de um ano pluvioso quanto baste! Aguardemos.
               Pode parecer paradoxal, mas um dos temas dominantes desta croniqueta serve para que se abra uma petição nacional para o retorno às campainhas estridentes dos telefones, em detrimento da pequenina luzinha intermitente que aparece junto às teclas de qualquer recetor colocado nas portarias da maior parte dos serviços públicos do País.
               Vamos lá ver se me explico melhor, ou se consigo que a mensagem chegue sem interferências a quem pacientemente me lê.
               Se alguém “ousar” telefonar para um serviço publico entre as 9 e as 10 horas da manhã, ou a partir das 16 horas é quase certo que ninguém lhe atenderá o telefone, e muitas vezes a pessoa responsável por esse trabalho está ali mesmo ao lado. Esta é a verdade, constatável ao longo de muitas tentativas goradas para telefonar para alguns serviços públicos. Infelizmente um cada vez maior número de gente destes serviços adere a esta “praga” que se vai instalando no quotidiano dos serviços do Estado, de norte a sul de Portugal e Regiões Autónomas.
               Não me cabe a mim fazer juízos de valor sobre o comportamento destas pessoas, que substituiu a “rapariga da cavilha”, ou a “menina dos telefones” imortalizada na canção de 1961 de Maria José Valério, mas a realidade é que cada vez mais o estar num PBX (ou correlativo) é uma tarefa entediante e que ninguém faz por gosto, tudo para desgosto de quem precisar de entrar em contacto com alguém a partir de horas que pelos vistos passaram a ser consuetudinariamente incomodativas.
               Hoje sou a favor do retorno à campainha estridente nos telefones, já que nem que fosse para calar o som incomodativo as pessoas obrigavam-se a atender e nem que seja  para evitar os olhares reprovadores das pessoas que circulam por perto. Aí voltaríamos ao tempo de ouvir frases como, “Ninguém atende a porcaria do telefone!” ou outras entrecortadas com palavras bem mais ordinárias!
               Podem ter a certeza mais que absoluta que a maioria dos telefonemas eram atendidos, e dispensar-se-iam as músicas enfadonhas que certa gente escolhe para o demasiado tempo que se está à espera de uma ligação para alguém, que estando lá manda dizer que não está para não ter que se aborrecer com mais um utente, ou mais uma situação imponderável perto da hora de saída.
               Aos telefones estridentes haveremos de voltar, neste SIMPLEX de proximidade, principalmente para apoio aos muitos utentes que não tem possibilidade alguma de se deslocar a certos lugares, e muitas vezes terem que ir a determinado serviço para assuntos comezinhos que se resolveriam numa chamada feita a tempo.
               Outra questão bem mais grave que esta tem a ver com o tempo prolongado com que muitas vezes os telefones estão avariados em certos serviços, com prejuízo evidente para os utentes que precisam de contactar . Às vezes as avarias prolongam-se por meses e até um ano e meio, como já aconteceu recentemente num determinado serviço publico na região, e as pessoas obrigam-se aos maiores incómodos para conseguirem tentar resolver os seus problemas.
               Vamos pois voltar ao tinir estridente dos telefones e posso dizê-lo sem errar que a resolução de certos problemas e a resposta a algumas questões passarão a ser céleres.


Fernando Pereira

7/6/2016

Turismo passado sem presente para o futuro! /Ágora / Novo Jornal / Luanda 17-6-2016

   
             

  Turismo passado sem presente para  o futuro!
Muito se tem falado no desenvolvimento sustentavelmente acelerado do turismo no nosso País, e seria bom que se fizesse uma análise retrospetiva do que foi a insipiente atividade turística no tempo colonial para se pensar no presente e no futuro.
De acordo com a Organização Mundial do Turismo, a atividade turística contribui para o crescimento económico, para a criação do emprego e para a redução dos desequilíbrios da balança de pagamentos. Contabilizando efeitos diretos e indiretos, o turismo representa 10% do PIB mundial; Concorre para 30% das exportações de serviços, 6% das exportações totais, igualando ou excedendo até as do petróleo, produtos alimentares ou automóveis, e é responsável por um em cada onze empregos. Razões mais que suficientes para o considerarem um motor essencial do desenvolvimento.
A Sociedade das Nações instituiu em 1937, a primeira definição de turista, como “toda a pessoa que viaja por um período de 24 horas ou mais, para um país diferente do da sua residência”. Relativamente ao entendimento inicial, alarga o conceito estendendo-o às pessoas que se deslocavam com um objetivo que não propriamente o do lazer. Mistura quem viaja para lazer com quem mistura  outra atividade.
Em 1942 foi proposta à Association Internationale des Experts Scientifiques du Tourisme ultrapassar alguns hiatos da definição anterior e para  HunziKer e Krapf o turismo é “ o conjunto de relações e fenómenos produzidos pelo deslocamento e permanência de pessoas fora do seu local habitual de residência, desde que esses deslocamentos e permanência não sejam motivados por uma atividade lucrativa principal, permanente ou temporária.”
Em 4 de Junho de 1954, a ONU, na convenção sobre facilidades aduaneiras a favor do turismo, reformula a noção de turista, que passa a ser “toda pessoa, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, que entra no território de um Estado contratante, que não seja aquele onde reside habitualmente, e nele permanece durante 24 horas, pelo menos e não mais de 6 meses, no decurso de um período contínuo de doze meses, se a sua viagem  tiver um motivo legitimo que não seja a emigração, tal como: turismo, recreio, desporto, saúde, família, estudo, peregrinações religiosas ou negócios”.
Pontualmente foram feitas novas adaptações a este conceito mas só em 1991, a Organização Mundial de Turismo, conseguiu ultrapassar inúmeras críticas e tentar encontrar uma definição consensual, até para efeitos de uniformização estatística, definindo o conceito como “um fenómeno social, cultural e económico relacionado com o movimento das pessoas a lugares que se encontram fora do seu lugar de residência habitual por motivos pessoais ou profissionais. Estas pessoas são denominadas visitantes (podem ser turistas ou excursionistas; residentes ou não residentes) e o turismo tem a ver com as suas atividades, das quais algumas implicam um gasto turístico”.
O turismo tem conhecido assinalável desenvolvimento. Segundo dados da OMT, as chegadas internacionais turísticas totalizavam os 25 milhões em 1950, os 278 em 1980, os 527 em 1995 e mais de 1100 em 2014. A Europa é o principal destino recebendo mais de metade dos turistas internacionais.
Angola, enquanto colónia de Portugal não tinha qualquer iniciativa no domínio da promoção e desenvolvimento do turismo. As razões eram evidentes, um pouco à semelhança do que acontecia com a estrutura do estado central em Lisboa.
Já vimos que o turismo, enquanto atividade de relevância económica e social, só apareceu com algum significado depois do primeiro quartel do século XX. Coincidiu temporalmente em Portugal com a ascensão do Estado Novo e da ditadura de Salazar e Caetano.
Uma das revelações, se é que assim se pode chamar, da ditadura foi a xenofobia exacerbada, aliada a uma desconfiança a tudo que viesse de fora, principalmente o que pudesse fazer contrastar de forma evidente os hábitos “abençoados” do “Povo Português”, e alterar a letargia a que se chamava eufemisticamente “brandos costumes”!
Houve inicialmente no governo central o Secretariado Nacional da Propaganda (3-2-1940) tutelada por António Ferro, sob alçada direta de António Salazar e que tinha a supervisão do turismo a nível central. O turismo era primordialmente um meio de propaganda e não era encarado como uma atividade económica importante. Em 1944 o SNP muda a terminologia para o Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo, sendo pouco mais que um órgão consultivo. Entre mudanças, recuos, progressos a verdade é que nunca, até ao 25 de Abril de 1974, o turismo se conseguiu separar organicamente da Informação ao nível central. A censura prévia vigiava toda a imprensa, editoras, espetáculos ou outras iniciativas culturais e recreativas , mas dependia do Ministério do Interior enquanto o secretário de estado da informação e turismo dependia diretamente do 1º ministro.
Explica-se isto, porque não havia em Angola nenhuma estrutura desconcentrada deste quadro que se observava na “Metrópole”. A censura era muito branda, a que não era alheia a percentagem de 97% de analfabetos no território e a estratificação social era tão acentuada que praticamente era desnecessário “perder tempo com coisas de poucos”!
Havia nalgumas camaras municipais um pequeno sector do turismo, que pouca mais atividade tinha que a fiscalização do paupérrimo parque hoteleiro da colónia, restaurantes e bares. Angola não queria cá turistas nem ninguém que alterasse o status quo prevalecente!
Pelo decreto-lei 42194 , de 27-03-1959 é criado no âmbito do Ministério do Ultramar o CITA, Centro de Informação e Turismo de Angola, entidade localmente dependente do governador-geral, mas sob a orientação e coordenação da Agencia Geral do Ultramar. Extingue este diploma a Casa da Metrópole de Luanda, criada em 1934 para apoiar o SNP nas feiras internacionais em que Portugal foi participando.
Isto é um tema que merece bem mais que este artigo,  porque a criação do CITA é objetivamente para montar em Angola uma estrutura poderosa que tinha funções de propaganda e simultaneamente de orientação metodológica e ideológica de toda a imprensa local. A título de exemplo o diretor do CITA é que tinha a responsabilidade de nomear o diretor da “Emissora Oficial de Angola” (decreto 47699 de 15-5-1967)! As atribuições do CITA eram enormes, e a preocupação de qualquer governador-geral era a de ter um “fiel” no seu topo e em lugares de subalternidade direta, para a caso de advirem complicações.
Prova evidente que uma estrutura deste tipo, está perfeitamente de acordo com a manifesta vontade de tudo controlar, de filtrar ao máximo tudo o que pudesse sair para o exterio,r e que tivesse entre quem visitava a colónia gente que “fosse só dizer bem”. Claro que quando sobreveio a guerra colonial, o CITA via-se com redobradas dificuldades, para manter a imagem de uma “Angola pacífica e harmoniosa” que se tentava vender no exterior!
Um dos homens que foi transversal em todo o final da governação colonial, Álvaro de Moura Koch Fritz, foi o poderoso chefe de gabinete de vários governadores, e nessa qualidade controlava as atividades do CITA. Dizia uma vez na esplanada do Arcádia, ao lado do Banco de Angola na Marginal, quando via o paquete Vera Cruz levar um contingente de militares de regresso a Portugal: “ Andamos aqui com tanto trabalho para sensibilizarmos meia dúzia de jornalistas sob a justeza da nossa presença em Áfric,a e vão ali mil e quinhentos militares que vão destruir tudo mal comecem a abrir a boca. Cada um daqueles tipos é uma voz contra nós” Convém dizer que terá sido esta figura discreta, um dos homens mais poderosos  da estrutura governativa colonial.
As preocupações do CITA eram sobretudo de informação, e a divulgação do turismo era sobretudo avaliada nesse contexto. O turismo não era visto como atividade económica, mas fundamentalmente era olhado como uma via de propaganda de tudo o que o governo colonial queria quer se mostrasse lá fora. Como havia muita coisa que “desagradava”, nunca terá havido uma ação significativa por parte das autoridades, para a promoção real do território, que teria merecido um maior empenhamento, e que não se estivesse chegado á independência com um paupérrimo parque hoteleiro, só para falar numa das áreas deste importante setor de atividade.
Aqui está uma abordagem indispensável para conhecer o ontem do turismo em Angola.

Fernando Pereira

12/6/2016

28 de maio de 2016

Remendo! / Àgora/ Novo Jornal /Luanda 26-5-2016



Remendo!
Num tempo em que 29, 622 kwanzas valiam um dólar, e outras mordomias como por exemplo partilharmos muito mais o pouco que se tinha, havia que se ter engenho e arte para conseguirmos matar o “tédio revolucionário”; bem mais tolerável que o “fastídio dos mercados”!
               Numa noite abafada de Fevereiro de há trinta e cinco anos fui com uns amigos ao Kussunguila, um dancing na Ilha de Luanda, construída no tempo colonial junto a um higienizado e apelativo mercado do artesanato. Formávamos dois casais e entrámos numa sala enorme que estava praticamente às moscas. Os decibéis roufenhos e alterados de uma música razoavelmente má, num espaço onde o ar condicionado emitia um estridente e pautado som metálico enviando golfadas de ar quente, para uma sala que já se tornara quase uma camara de tortura.
               As mesas eram para duas pessoas e apesar de as termos aproximado uma da outra só nos conseguíamos entender aos berros. Veio solícito o empregado e perguntou: Que desejam os camaradas? Pedimos cerveja, ao que ele adiantou que não havia rigorosamente nada fresco, e que já teria informado a Emprotel UEE, ou a Angotel UEE da avaria há uns tempos e ainda não se tinha diligenciado nada até ao momento. Perguntámos que é que havia para beber, e ele muito lesto disse: “Aguardente búlgara, Macieira e Havana Club”. Animados com a oferta disponível resolvemos arriscar a Macieira, e sinceramente ainda hoje guardo o travo daquele cognac de pacotilha que nos foi servido. Passou a ser urgente debandar e foi isso que fizemos deixando o funcionário na sordidez pouco iluminada de um dancing vazio. Saímos do Kussunguila e sinceramente jamais esqueci o bafo de calor que tão bem me soube!
               Mais ou menos na mesma altura fiz uma viagem ao Lubango e entrei na que outrora tinha sido uma pastelaria de eleição no tempo colonial, a Tirol, em pleno “Picadeiro” , rua central da única cidade em toda a África que tinha mais brancos que pretos. A pastelaria tinha três balcões envidraçados, num tinha alguns bolos de aspeto manhoso, noutra uma mistura esquisita de velas e bolachas e numa outra rebuçados, confeccionados numa fábrica local ainda em funcionamento ao tempo. Naturalmente que quis comprar uns pacotes para trazer para Luanda, e pedi às duas camaradas que estavam em cada um dos dois outros balcões envidraçadas para me darem os rebuçados, e uma delas prontamente disse que não mos podia vender porque o camarada responsável por aquele sector não estava. Perplexo, mas resignado pela organização deste espaço quase vazio, mas cheio de gente e regras.
               No dia seguinte, porque o voo para Luanda resolveu atrasar três dias, voltei e mais uma vez não consegui ter acesso aos rebuçados, porque o camarada responsável pelos “dropes, caramelos e correlativos” tinha-se ausentado nesse fim da tarde em que lá estive. Não consegui levar rebuçados nenhuns, mas fiquei sempre com a história para repetidamente contar.
               Num restaurante manhoso no Dondo sentei-me e pedi o prato do dia, a bem dizer não havia alternativa, e lá veio o arroz maçudinho a acompanhar um espinhadíssimo peixe frito do rio. A bebida era uma cerveja EKA morna, e quando chegou à mesa o empregado resolveu utilizar os dentes para abrir a garrafa. Naturalmente aborrecido disse que não iria tocar na garrafa o que o levou a abespinhar-se e perguntar-me: “ O camarada tem nojo de mim?”; Repliquei que “sim, não tenho nojo, mas acho que é pouco higiénico”. Ele indignado disse-me: “Sabe, eu devia era ter aberto a garrafa lá dentro e o camarada bebia-a toda”. Apesar de resignado e esperando que “desamparasse a loja”, o tipo resolveu encostar-se à minha mesa e fazer uma teorização da luta de classes, do fim do colonialismo e da implantação do socialismo científico, asseverando que eu enquanto angolano branco não tinha ainda compreendido as mudanças. Farto de ouvir palavras de ordem, agilizei a degustação do paupérrimo menu, paguei e saí para a rua onde me esperava o ar abafado do desmazelado Dondo ainda com resquícios de tempos áureos na sua decadente malha urbana.
               Desculpem a puerilidade do artigo, com histórias tão banais, mas na realidade no dia em que comemoro os sessenta anos do meu nascimento na então Casa de Saúde de Luanda, hoje maternidade Augusto Ngangula, muita coisa me ocorreu para escrever, mas nada saía com a fluidez desejada. Fica o remendo!
               Como dizia Gabriel Garcia Marquez “A vida não é a que cada um viveu, mas a que recorda e como recorda para conta-la”

Fernando Pereira

25/5/2016
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