13 de julho de 2012

O PASSADO PRESENTE / Ágora / Novo Jornal 234/ Luanda 13-7-2012






Só agora li o livro de Mário Moutinho de Pádua “No Percurso de Guerras Coloniais 1961-1969”, das edições Avante, e o que se me oferece dizer é que estamos perante um trabalho interessante, politicamente comprometido e revelador de que a distância entre as convicções do idealismo e a realidade vivida no quotidiano é, em muitos casos, diametralmente diferente.
O médico Mário Moutinho de Pádua, filho de um conhecido e respeitado advogado e notário na Luanda dos anos enta (50-60), foi o primeiro-oficial português a desertar na guerra colonial em Outubro de 1961 e a juntar-se aos movimentos de libertação. Ao tempo foi uma pedrada no charco na sociedade luandense, já que, para além da histeria dos colonos ainda muito presente em função do 4 de Fevereiro e do 15 de Março de 1961, o alferes Mário Pádua era branco e abastado.
O livro é um depoimento importante que acrescenta novos detalhes de um período da guerra de libertação, onde as situações não foram, nem de perto nem de longe, o idílio que muitas vezes nos querem transmitir, numa história algo ficcionada do que foi a guerrilha e os seus contornos, lutas de poder internas em que as traições eram urdidas com base no tribalismo e no racismo, a sordidez das relações pessoais de permanente desconfiança, na realidade tudo ao contrário do que os manuais defendiam, e que a propaganda fazia ecoar para o exterior dos movimentos.
Ao longo do livro, Mário Pádua não deixa transparecer nenhum azedume, apesar da forma violenta e aviltante como foi tratado tentando, tanto quanto possível, encontrar justificações para tudo nos diferentes colonialismos, ou melhor, no mesmo colonialismo de feições diferenciadas.
Um dos lugares onde Mário Pádua esteve a trabalhar foi na Argélia, a partir de 1963.
A Argélia ascendeu à independência em 5 de Julho de 1962, há 50 anos precisamente, depois de uma longa luta contra a potência colonial, a França, e as organizações paramilitares dos colonos que se mobilizaram na OAS, estrutura terrorista de direita que endureceu a guerra de libertação. Sobre este momento e a vontade dos argelinos de se juntarem à FLN, no filme “A batalha de Argel “[The Battle of Algiers] (1966) estão superiormente documentadas algumas fases dessa luta, neste que foi o primeiro filme argelino feito depois da independência.
A França teve que acolher cerca de dois milhões de “pied noir”, termo pejorativo pelo qual eram tratados os franceses na Argélia, Tunísia e Marrocos, situação parecida com os portugueses brancos nascidos nas colónias onde eram conhecidos como “portugueses de 2ª”.
A Argélia logo se transformou num local de acolhimento para nacionalistas africanos e refugiados políticos de várias ditaduras da Europa e da América latina, um verdadeiro farol de liberdade num mundo totalitário. O “Senhor Ben Bella” como depreciativamente a Emissora Nacional portuguesa e a sua dependente Emissora Oficial de Angola tratavam o 1º presidente da Argélia, em 1964 passou a apoiar o GRAE em detrimento do MPLA e isso levou a que a UPA alterasse a sua sigla para FNLA, inspirada na FNL. Felizmente que Houari Boumédiène voltou novamente a apoiar o MPLA, e a Argélia esteve sempre na vanguarda da defesa da luta contra o sistema colonial português em África, como também esteve sempre na primeira fila na luta pela restauração da liberdade em Portugal.
No dealbar dos anos setenta vim estudar para Coimbra, ainda para o Liceu, e num dos primeiros dias de aula, o diretor de ciclo chamou-me ao gabinete e fez-me inúmeras perguntas sobre Angola, que já teria visitado integrado numa visita de orfeonistas ou tunas da cidade. Ao fim de uns minutos, oferece-me o livro de Jacques Soustelle, “Carta aberta às vítimas da descolonização”. Pede-me para ler referindo que mais tarde “trocaríamos algumas ideias sobre o assunto”. O autor era um membro das OAS e só conseguiu parir uma porno-chachada literária hecatombótica sobre a Argélia, De Gaulle e a “necessidade de combater o comunismo que irrompia por todo o lado”. Nunca percebi porque é que o Dr. José Bandeira me deu aquilo, porque na realidade fomos poucos os escolhidos para o receber. A verdade é que, em determinada altura, quis que me inscrevesse numa estrutura que se chamava “Centro de Estudos Ultramarinos” e sinceramente não me inscrevi por razões que ao tempo nada tinham de políticas, mas vontade de fazer outras coisas que me eram mais motivadoras. Ainda hoje tenho o livro na estante, acompanhado na prateleira de múltiplos livros que “os retornados” escreveram e inundaram o panorama livreiro português durante décadas.
Como dizia Proust em “La Recherche du temp perdu”: “ La véritable voyage de découverte ne consiste pas à chercher de nouveaux paysages, mais à avoir de nouveaux yeux”.
Fernando Pereira
11/7/2012

1 comentário:

Retornado disse...

Escritores e revolucionários da geração de Mário Pádua, era apenas a "adrenalina" que (n)os levava a misturar fidel castro, salazar, delgado e galvão, krushev e kenedi tudo no mesmo saco.

Os pretos? naquela adrenalina eram apenas um pretexto.

Naquele tempo até a filha de Silva Pais foi para Cuba, misturou tudo naquela cabecinha doida.

Curioso que poucos africanos atribuem grandes louros a esses herois!

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