2 de julho de 2010

Crónica do tempo vindouro (Que há Devir)/ Novo Jornal / Luanda / 3-7-2010



Foram tantas as vezes que muitos de nós pedimos a Paulo Jorge, que deixasse as suas memórias, prometeu que em breve o faria, e morreu no sábado passado sem que nos tivesse feito a vontade!
As lembranças que Paulo Jorge iria deixar, eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da Republica Popular de Angola. Teria sido importante este legado, para acabar com uma miríade de histórias, algumas mal engendradas, que vão circulando sobre esses anos de particular enfoque no quotidiano político e militar da África Austral.
Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas.
Paulo Jorge nasce em Benguela em 1934, filho de um funcionário de uma açucareira, com ligações a candidaturas oposicionistas à ditadura de Salazar, particularmente empenhado nas comissões locais de candidatura de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Vem para Lisboa nos anos 50 para estudar geologia, mudando entretanto para engenharia, curso que não acaba para se juntar à resistência angolana no exterior.
Foi membro dos órgãos sociais da Casa dos Estudantes do Império, alfobre de gente que conscientemente assumiu uma rotura com os valores do colonialismo português. Para além de excelente dançarino, era um sedutor e um exímio praticante de ténis de mesa, tendo sido campeão nacional universitário, para além de ter sido praticante federado ao serviço do Sporting.
Com Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Câmara Pires, entre muitos outros, foi um entusiasta da criação da ex-CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e um dos seus particulares dinamizadores.
Esteve no “maquis”, mas a diplomacia do MPLA e depois da R.P. Angola foram uma constante no seu percurso de político, tendo sido Ministro das Relações Exteriores durante anos quer com Agostinho Neto, quer com José Eduardo dos Santos.
Nos anos 90, é governador do Kwanza-Norte e posteriormente Benguela, onde tem uma prestação de relevo. É deputado eleito em 1992, reeleito em 2008.
Homem de grande probidade, incapaz de se apropriar do que quer que fosse, assumindo até algum quotidiano espartano na sua vida, Paulo Jorge deixa-nos o exemplo do dirigente, que abraçou uma causa por convicção e nunca para se aproveitar dos lugares para proveito próprio.
Morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral.
Obrigado Paulo Teixeira Jorge!

Fernando Pereira
30/06/2010

FarmVille a sério! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 3-07-2010






Permito-me em primeiro lugar não falar de José Saramago, porque li quase tudo o que publicou em livro. Da sua extensa bibliografia, há obras que me fascinaram, outras quase me entusiasmaram, algumas li e fiquei indiferente, umas poucas não gostei rigorosamente nada e acidentalmente, houve duas que não consegui acabar de ler.
Porque quando Saramago foi notícia, na sua vida e na sua morte recente, fala tanta gente, que utiliza a estafada táctica: quando leio A, que não conheço, escrevendo sobre X, que também não conheço, vou ler o que A escreve sobre Y, que conheço: regra de três simples, e a opinião forma-se e talvez se enforme.
No meu caso seria atrevimento a mais opinar, pois repito, conheço quase toda a sua obra. Deixo esse lugar aos sábios, sabichões e também aos “ratos de sacristia”!
A clarividência do Fernando Pacheco na entrevista ao Jornal de Angola da edição de 14 de Junho, traz para a discussão de forma assertiva um conjunto de reflexões, sobre o que Angola pretende no mundo rural e da agricultura, enquanto base para um desenvolvimento harmonioso, numa economia sustentada.
Habituei-me a ler todas as reflexões, que o Fernando Pacheco tem vindo a fazer há uns anos a esta parte, sobre a organização do mundo rural no nosso País, e se há algo que podemos afirmar sem peias nem meias, é que tem sido coerente, em que paralelamente são feitas propostas e que são incompreensivelmente ignoradas.
Quando Fernando Pacheco levanta a questão da hiperbolização desproporcionada das metas para o período entre 2009-2012, faz-me recuar mais que trinta anos, e voltar a pegar nas “Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico e social da Republica Popular de Angola no período 1978-1980”, que rezava em determinada altura: “Dever-se-á prestar especial atenção à produção de meios alimentares essenciais, com vista a obter o mais rapidamente possível os bens de 1973”, com objectivos, onde aparecia invariavelmente junto dos valores, uma determinada percentagem da “produção histórica”(Ex: Milho: produzir cerca de 400.000 toneladas-67% da produção histórica ou 120.000 toneladas de café, “o que corresponde a 55% da produção histórica”). Estamos a falar de um período de três anos, já que estas propostas foram aprovadas no 1º Congresso do MPLA em Dezembro de 1977.
Pegando nas “ Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social 1981-1985”, documento saído do I Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980, somos confrontados com uma análise mais comedida das propostas, irrealista, tendo em conta a situação prevalecente no País (Ex: No caso do “Milho: Atingir as 268.000 a 300.000 toneladas… Café: 60 a 70 mil toneladas de café comercial…”).Isto era o objectivo para um período de cinco anos!
Em 1992 o Dr. José Manuel Zenha Rela, faz sair um trabalho interessante, “Angola- Entre o presente e o futuro”, em que aborda, talvez de uma forma algo romântica, as condições para a formação do “Verdadeiro empresário agrícola angolano”, a “distribuição da terra” , “ o apoio de meios mecânicos”, “Disponibilidade dos Factores de Produção”, Assistência Técnica e Vulgarização”, “Escoamento da produção comercializável”, “Acesso ao crédito” e outros itens relacionados com o desenvolvimento agrícola de Angola, entre outros temas.
Anos depois, em 2006, saiu do mesmo autor o livro “Angola - o Futuro já começou”, revisto em Dezembro de 2008, editado pela Nzila, um levantamento exaustivo do futuro de Angola, onde as preocupações não são muito diferentes das colocadas por Fernando Pacheco ao JA. Deste livro falarei mais tarde, um “tijolo” robusto em tamanho e na qualidade, num exercício de soluções por parte de alguém que é simultaneamente um académico e um observador atento dos últimos sessenta e cinco anos de Angola.
Pelos vistos as preocupações do Fernando Pacheco sobre o desenvolvimento rural angolano são recorrentes. O petróleo, neste caso é um factor de empobrecimento do País, pois acaba com a matriz de Angola, que é a sua inata vocação de ruralidade.
Resta-me deixar o aviso para as gerações vindouras, que quando passarem os cinquenta anos verificarão, por certo, que antigas certezas são abaladas pela teimosia dos factos. Os factos são teimosos e então como eu só terão dúvidas!
“Acho que era mais barato, mais rápido e política e socialmente mais adequado se gastássemos o dinheiro que estamos a gastar em grandes projectos, a produzir cereais, para apoiar os pequenos agricultores familiares.” Excerto da entrevista do Fernando Pacheco ao Jornal de Angola.
Só faltaria mesmo, que as pessoas se comecem a dedicar ao FarmVille do Facebook, para se sentirem rurais em qualquer apartamento, numa grande cidade e num mundo virtual perto de si!

Fernando Pereira
23/06/2010
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