29 de janeiro de 2010

Quem conta um conto…/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-1-2010



Num lugar esconso da minha estante, fui encontrar um livro de “Contistas Angolanos”, exemplar poli copiado da Casa dos Estudantes do Império, edição de 1960, com capa de Luandino Vieira e uma reflexão de Fernando Mourão.
Foi nalguma das minhas deambulações por alfarrabistas, que comprei este livro, pois doutra forma dificilmente me teria chegado à mão. Textos de Agostinho Neto, Arnaldo Santos, Costa Andrade, Helder Neto, Luandino Vieira, Mário de Andrade, Orlando Távora (Pseudónimo literário de António Jacinto), Mário António, Oscar Ribas e mais uns quantos, que foram fazendo estas colectâneas, primeiras obras conhecidas da literatura, enquanto arma de ruptura política, com o sistema colonial prevalecente.
Por falar em António Jacinto, que tem sido injustamente esquecido desde a sua morte, vem-me à memória uma situação insólita. Quando por ocasião, do 1º Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980 foram colocados uns outdoors, um pouco por todo o País, com palavras de ordem de apoio à realização do congresso, com a matriz ideológica assente no “irreversível caminho para o socialismo científico”, “ao inimigo nem um palmo da nossa terra” e outras que me lembro, e que foram ficando no baú de recordações da história, embora com muitos protagonistas politicamente muito activos hoje. Num desses cartazes emergia a figura de Lenine, ao lado de um outro com os Presidentes Neto e José Eduardo dos Santos, e o motorista do meu serviço, informado militante, identificou logo os três: “Neto, José Eduardo, e o camarada António Jacinto”.
Nos anos setenta, com o dealbar da independência, houve aspectos deliciosos no monopartidarismo, que convenhamos foi indispensável para a coesão e unidade do País. Havia uma denominação que achava simultaneamente risível e bizarra, que era a designação de dirigentes e responsáveis. Nunca percebi muito essa distinção, pois para ser dirigente, parte-se sempre do pressuposto que se tem que ser responsável, embora indesejavelmente muitas vezes já se tenha verificado, que se pode ser dirigente, sendo até irresponsável, tendo em consideração ulteriores avaliações de desempenho.
Houve necessidade de em determinada altura, se adquirirem veículos para a máquina do Estado, já que o depauperado parque de veículos do tempo colonial, não respondia às necessidades.
Uma das primeiras importações de viaturas para dirigentes e responsáveis foram precisamente os LADAS, da então URSS, e os Volkswagen, Modelo Brasília, importados do Brasil num lote que incluía as Kombis e um jipe Gurgel de aspecto patusco. Continuavam-se a montar em Luanda os Land-Rover e as Renault 4L, e lá ia havendo uns carros para que as coisas funcionassem, ainda que de forma limitada.
Em determinada altura, já no fim da década de setenta, aconteceu a “Fiatocracia”, em que se importaram Fiats para quase tudo que era responsável, dirigente e alguns familiares ou dependentes.
Os Fiats inundaram Luanda, e algumas capitais de província, onde os delegados provinciais tiveram direito aos novos 128. Os membros do comité central do MPLA tiveram direito a Fiat, modelo 132 brancos: Os membros do governo não pertencentes ao comité central tinham direito ao mesmo 132, mas num azul-marinho carregado, assim como alguns majores das FAPLA, que tiveram direito ao 132 verde, de farda militar. Os militares de patente mais elevada, no tempo não havia nada acima de coronel, tinham direito ao soviético Volga Gaz, e no topo a Range Rovers, todos verdes. Os membros do Bureau Político do CC do MPLA tinham Mercedes preto e os Comissários Provinciais e alguns directores das famigeradas UEEs tinham os Range Rovers, então os jipes de topo no mercado mundial. Os directores nacionais e chefes de departamento nacionais de ministérios, e dirigentes de empresas ou serviços desconcentrados dos ministérios tinham direito ao Fiat 128, que só tinham três cores: branca, verde e cor de laranja. Também a juízes, quadros superiores de empresas e a alguns professores universitários foram distribuídos os 128. Na Sonangol proliferava o Volkswagen carocha amarelo.
As Renaults 4 montadas em Angola, e os “Zedus”, nome como foram carinhosamente baptizados os Volkswagen carochas importados do Brasil, foram substituindo paulatinamente a “Fiatocracia” instalada, que iniciaram outro período na história do veículo importado em Angola, que curiosamente tem acompanhado as mutações políticas e o modelo económico do País ao longo destes trinta e cinco anos.
Como um parque automóvel faz a história de um País!

Fernando Pereira
26/01/10
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