11 de janeiro de 2010

Opinião! Quando o dólar sobe, o Bangladesh! / Ágora / Luanda / 8-01-2010



“Imaginar, primeiro, é ver.
Imaginar é conhecer, portanto agir.”
Alexandre O´Neill
Poesias Completas
1951/1981

Penso deduzir, que 2010 reúne todas as condições para ser muito parecido com o de 2009.
Não sou economista, e convenhamos que em determinadas circunstâncias, nem percebo muito bem o que fazem; Sei que John Kenneth Galbraith, é um renomado economista americano que em 1975 foi autor de um livro, “ Money: Whence it came, where it went”, que diz exactamente isto, que é no mínimo alarmante: «O estudo do dinheiro na economia é, antes do mais, uma complexa forma que é usada para mascarar a verdade, isto é, para escondê-la em vez de a revelar».
Naturalmente, que não serei tão pueril, que acredite que tudo gira em torno dos usos, abusos e diferenças de fusos do dinheiro. Mas daí a ser um factor de unidade, vai uma distância enorme, e não sei bem porquê, mas toda esta história do dinheiro transformado em dinheiro reprodutivo, e de um momento para o outro o dinheiro volatilizar-se, por causa de mercados e mercadorias que nem sabemos tampouco onde são, nem para o que servem, traz-me à memória uma história que li há vinte e cinco anos na “Directa”, livro de um enorme autor português, Nuno Bragança, desaparecido em 1985.
“Era uma vez um surdo completamente surdo, um paralítico completamente paralítico e um calvo completamente calvo. Viviam juntos e de tanto se aborrecerem decidiram partir. A fim de alcançarem o ponto mais distante do mundo puseram-se a caminho a pé, ou seja: o paralítico ia deitado numa maca, porque era tão completamente paralítico que nem sequer se podia sentar, e o calvo e o surdo transportavam a maca. O surdo ia à frente.
A certa altura da viagem foi preciso atravessar uma floresta. Quanto mais os três homens penetravam nela mais o mato era denso e a folhagem cerrada: Por causa disso e do anoitecer, escurecia.
Iam a meio de uma clareira quando o surdo disse: «Poisa a maca.»E deixou de andar, o que obrigou o calvo a parar também. O calvo e o surdo puseram a maca no chão.
E o surdo disse assim: «Esta floresta está cheia de assassinos e malandros. Há já um bom bocado que oiço o restolhado deles.» O calvo respondeu: «Estou em crer nisso, porque sinto que os cabelos se me estão a pôr em pé.» Então o calvo e o surdo desataram a correr, seguindo o trilho que tinham aberto no mato.
O paralítico ficou sozinho na clareira. E ele pensou: «Não gosto de estar nesta floresta. Parece-me que vou mas é fugir daqui.»

Uma das novas tendências do trabalho ideológico actual, tem sido o de substituir nos homens o punho esquerdo fechado pela genuflexão, acabar com a luta de classes e harmonizá-la com a diferença entre os muitos homens do produzir e os poucos predestinados a reproduzir, e por aí adiante.
A grande questão é que os problemas continuam, e perpetuam-se, mesmo nalgumas economias ditas emergentes, que em tempos idos eram países em vias de desenvolvimento, quando o conceito de Sauvi, existia no léxico sociopolítico, da geografia das economias mundiais sob a designação de “Terceiro Mundo”.
Não me esqueço, que para a transição do século, os países que se apresentavam com economias mais promissoras para o investimento eram o Chile, o Paquistão, a Irlanda e o Zimbabwe! Na altura o Zimbabwe tinha um crescimento de quase vinte e dois por cento ao ano, o que surpreende quando nos confrontamos com a realidade actual, e quanto às outras promessas é o que se vai sabendo.
Só é possível desenvolvimento se apostarmos no envolvimento em coisas tão simples, como a democracia, a liberdade, a educação, a formação profissional, o estímulo ao trabalho, o acesso a uma saúde digna e um exercício de poder transparente e humanizado.
O poder é um calvário. E é simultaneamente uma sedução. Tanto para aqueles que apenas lhe imaginam as delícias, como os que já lhe sofreram os espinhos. Na maioria dos casos uns e outros, dispõem a sacrificar-lhe o melhor que a vida tão curta e tão avara tem para nos dar.
Não sei o que vai ser o ano de 2010, mas só espero que não se siga à risca o que os especialistas em macroeconomia desenham para o futuro, porque pode haver sempre um Madoff desconhecido que o pode surpreender, e lá volta o futuro ao ponto zero novamente.
Desculpem a ligeireza com que falo das coisas, mas dá para perceber que sei muito pouco do assunto, mas ainda aprendi que “Quando o dólar sobe, o Bangladesh”!
Bom ano para quem me leu até ao fim!
Fernando Pereira
6/01/10

Ad “Vértice na água”! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 8-1-2010



Esta é a primeira Ágora, do resto de todas as outras, neste ano trinta e cinco da independência da Republica de Angola.
Há modificações auspiciosas no léxico político do Presidente da Republica, no seu discurso de fim de ano, que auguram qualquer coisa de positivo num futuro, que apesar de grandes esforços e vontades múltiplas, será improvavelmente próximo.
José Eduardo dos Santos reiterou as ideias marcantes do discurso de encerramento do MPLA, e se o combate é para ser feito, há que engajar (já me tinha desabituado de ouvir esta palavra) toda uma população, mas será expectável, que os bons exemplos partam dos que hierarquicamente estão mais altos, nos diferentes órgãos de soberania.
A “tendência zero” à corrupção, ao nepotismo, à extorsão, etc., não poderá ser apenas um mirífico desejo, ou um sonhar acordado, mas acima de tudo algo que passe a ser um quotidiano exercício de cidadania.
Reconheço como angolano, que também sou responsável por tudo que tem acontecido, talvez mais por omissão, mas a realidade, é que ninguém sai impune numa situação, que efectivamente é desconfortável para todos nós, e que talvez mereça mais este esforço colectivo, num País que tantas vezes o faz, mas que também inúmeras vezes o desfazem.
Se houver prática nas palavras do Presidente da Republica, poderemos estar a encerrar um ciclo de quase 370 anos na vida de Angola!
Reza a história que em 1648, quando Salvador Correia de Sá combateu os holandeses em Luanda, terá dado ordem para saquear, algo que era normal na época, pois o pré dos soldados era pouco, e só o saque compensava tamanhas aventuras guerreiras. O saque terminava normalmente, quando o comandante dava ordem ao corneteiro para que soprasse a corneta, audível em todo o campo de batalha.
Em Luanda aconteceu o que nunca deveria ter sucedido, nada mais nada menos que a morte do corneteiro antes do toque de fim de saque. Diz a história, que nunca mais foi revezado o soldado que tinha esse mister, e poucos se tem preocupado em procurar alguém com perfil adequado ao cargo!
Claro que isto é uma história já antiga de Luanda, e raro será o angolano que não a conheça, mas é ilustrativa da permeabilidade de Angola, se permitir ficar sem os seus recursos e sem contrapartidas assinaláveis.
Não desejava que Angola, caminhasse para a situação sintomática, da frase que se ouve a certo momento do conhecido banqueiro Meyer Rothschild, fundador da dinastia financeira Rothschild, em que ele diz: «Dêem-me o controle do dinheiro de uma nação e não me importa saber quem faz as leis»("Permit me to issue and control the money of a nation, and I care not who makes its laws."Mayer Amschel Rothschild, International Banker ).
Este tema é delicado, e provavelmente vai pelo menos trazer para o debate novas ideias, e que se restabeleça o respeito pelas nossas naturais diversidades, sem as quais não pode haver sociabilidade construtiva.
Sem diálogo aberto não há viver normal, não há viver que valha a pena, e todas as boas intenções se esboroam no comezinho racismo social, político, oportunista, racismo que aglutina toda a espécie de idiossincrasias, fazendo degenerar o convívio numa constante crispação de repulsas e suspeitas.
Se tivermos a coragem, que outros vêm tendo, de nos desembaraçarmos de fantasmas possessivos e de nos abrirmos ao nosso tempo, onde uma realidade nova e impaciente poderá desfigurar-se quando se cansar, em definitivo da longa espera.
Nesta Ágora algo melancólica, deixo recados sobre as “palavras” de um grande autor da língua portuguesa, Fernando Namora (1919-1989), que tive o privilégio de ter conhecido, e de ter participado como figurante num episódio, de uma série que a TPA colocou no ar em 1982 “Retalhos da Vida de um Médico”, realizada por Artur Ramos: “As palavras, mesmo não podendo ser neutras, têm o seu uso e o seu abuso, e nessa distinção reside a sua funcionalidade. As palavras, ao nomearem as coisas, estão já a animá-las de um significado próprio, senão mesmo a modificá-las, e, ao traduzirem sentimentos, estão já a tomar partido sobre o modo como lhe somos receptivos. Mas daí até à perversão vai algum caminho andado, e esse é de evitar, sobretudo nas fases de ira e angústia em que as palavras podem pôr em causa o que para uma sociedade, é a matriz do seu viver” .
Cada geração tem direito à sua revolução, dizia Thomas Jefferson (acho eu).
Fernando Pereira
5/1/10
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