27 de novembro de 2010

Exílio: a Pátria Utópica / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 27-11-2010






Quando me preparava para escrever a “Ágora” desta semana, recebi a notícia do falecimento de Maria Helena Moreira Rodrigues Maria.


Foi um Adolfo Maria naturalmente abalado que me telefonou, e achei que a inoportunidade de qualquer morte, pode ser a oportunidade de se incitar a um apelo à memória, e homenagear gente que preservou o anonimato, para dar o seu melhor na libertação e construção de um País.

Maria Helena Maria era uma transmontana de Chaves, que de forma empenhada, solidária, cúmplice, acompanhou o seu marido ao longo de mais de cinquenta anos nos tempos duros da perseguição e prisão pela PIDE, do exílio em Paris, Argel, Brazzaville.

Partilhou a euforia da liberdade emancipadora da Angola colonial, a emergente Republica Popular de Angola, demonstrando uma enorme coragem e sagacidade a defender o seu marido da prisão e da tortura na Angola independente, promovendo uma das mais rocambolescas vivencias de desaparecimento em Luanda, reaparecendo três anos depois de muitas peripécias, algumas a raiar o anedotário.

A Maria Helena dactilografou os primeiros manuais escolares do MPLA, para que as crianças angolanas no exílio, ou nas matas, pudessem aprender e ganhar a consciência de angolanos independentes, e forjassem novas motivações ideológicas, numa sociedade mais justa e democrática. No Centro de Estudos em Argel, apoiava as crianças, familiares de muitos exilados dos ex-CONCP (Conference of Nationalist Organizations of the Portuguese Colonies), ainda lhe sobrando forças para ir ao CEA, dar uma ajuda nas edições difundidas pela resistência ao colonialismo português.

Em Brazzavile, a sua casa foi sempre uma “casa de passagem” para todos os angolanos, engajados na luta de libertação, fazendo regularmente trabalho de montagem do “Vitória ou Morte”, nunca rejeitando nenhuma tarefa que o MPLA lhe exigisse.

Adolfo Maria, homem de enorme estrutura intelectual, probo, coerente na defesa do seu grande objectivo de vida, que era ver a Angola independente, teve a seu lado a companheira que nunca regateou sacrifícios, aceitando com um sorriso bonito, tantas agruras de um exílio pródigo em desilusões.

“Exílio: a Pátria Utópica”, é a melhor homenagem que posso fazer às mulheres que tudo largaram para seguir os seus companheiros, para uma luta que poderia ser “talvez nada”, mas que quando se empenhavam “era o mais que tudo”!

As mulheres angolanas, muitas ainda felizmente vivas, outras já falecidas, devemos uma parte do nosso Novembro de 1975, já que foram a verdadeira retaguarda, de um tempo em que tudo era esfomeadamente difícil.

A Maria Helena Maria, nada tinha de angolana quando iniciou o seu combate, merece o seu “bocado de pão”, pois trabalhou muito para sermos felizes um dia, e acabou sentindo-se angolana, sem pedir nada em troca.

Esta crónica, mais que uma homenagem a uma pessoa que acabou de nos deixar fisicamente, acaba por assumir umas gratidões, que teimamos em adiar, a tanta “anónima”, que deu o melhor de si, quando não havia gente, recursos, quadros, mas que por outro lado excedia-se em voluntarismo, vontade de fazer, e a convicção que um dia a “Vitória é Certa”.

A todas essas mulheres, não havendo muitos angolanos a agradecer, agradeço eu e penso que estou acompanhado.

Nesta hora dolorosa, quero reafirmar ao Adolfo Maria, a minha estima, e sobre o percurso de um homem, que pouco faz para ser lembrado, recomendo o livro do Fernando Tavares Pimenta, “Angola no Percurso de um Nacionalista”, editado pela Afrontamento.

Fernando Pereira

20/11/2011

19 de novembro de 2010

“Ich bin ein Berliner”/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19/11/2011





"Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão) é uma citação de um discurso feito em 26 de Junho de 1963 pelo presidente dos Estados Unidos à época, John F. Kennedy, em Berlim Ocidental. Foi uma forma de enfatizar o apoio dos EUA aos alemães de Berlim, cidade dividida, num dos períodos mais quentes da “Guerra Fria”.


Lembrei-me disto, porque num destes dias vi com grande estupefacção, um título em letras garrafais: “Em Angola sou angolano”. Obviamente, que se isso não tivesse sido dito pelo Dr. Jorge Coelho, não me espantaria, fundamentalmente porque ele é o CEO de um grupo que é português, embora em Angola há sessenta anos.

Ficaria bem mais contente, por exemplo, que o escritor Gonçalo M. Tavares, nascido em Angola em 1970, o dissesse, até porque convenhamos, prefiro gente da cultura, do filantropismo, da ciência, do desporto a dignificarem Angola, que gente ligada ao mundo dos negócios, normalmente espaços pantanosos e simultaneamente obscuros.

Já que se falou do CEO do novo grupo empresarial que se constituiu em Angola, com base na vetusta firma Mota e CIA, vem-me à memória um jantar, no velho Hotel Turismo na baixa de Luanda, com o Sr. Manuel António da Mota.

No fim dos anos setenta, ou princípios de oitenta, eu vivia na Casa do Desportista, na Ilha de Luanda, e ocasionalmente jantava no Turismo com o meu amigo José Beleza dos Santos, ilustre penalista, hoje já retirado, e que ia de vez em quando a Luanda dar umas aulas na Faculdade de Direito da UAN, e fazer uns exames, no âmbito de uma colaboração entre as faculdades de Coimbra e Luanda.

Na altura o Turismo conseguia ser um hotel razoavelmente bom, com as limitações que se viviam então, e era um local de encontro de muitos viajantes que já conheciam a cidade e evitavam outros hotéis mais cosmopolitas.

Costumávamos jantar, numa sala no r/c, com uma montra virada para o edifício dos correios e para onde hoje está o Millenium e um “palito métrico”, um edifício horrível, igual a muitos que poluem o nosso olhar sobre a cidade de Luanda. Cada pessoa que entrava, dava as boas noites à sala toda, o que acabava por dar um ambiente de enorme familiaridade.

O José Beleza, certa vez convidou-me para jantar, e como naquele tempo, as combinações não estavam sujeitas ao sortilégio de qualquer humor, que um qualquer telemóvel rapidamente alteraria nos dias de hoje. Chego ao Turismo, à hora marcada e vejo-o sentado numa mesa com algumas pessoas que não conhecia, embora alguns já tinha visto no hotel, e apresenta-me sem muitas delongas.

Percebi que o José Beleza foi convidado pelo Sr. António Mota para jantar, à hora de almoço, e que não me teria conseguido avisar do “alargar de mesa”, e acabei por ir ficando a ouvir uma conversa sobre parcerias entre a Mota e o Ministério da Construção, para a constituição de uma U.E.M. (Unidade Económica Mista), que se chamava Paviterra.

O Senhor Manuel António da Mota era uma pessoa de idade, mas de uma enorme vitalidade, e muito conhecedor da realidade angolana, já que tinha andado trinta anos a trabalhar em várias áreas, pelo País todo.

Nessa noite estava entusiasmadíssimo, acompanhado de alguns técnicos, lembrando-me apenas o Sr. Brás do Namibe, já falecido, e o Engº Cunha, porque nos cruzámos noutros ócios.

Estava lá no jantar, um tipo execrável, que dizia que fazer estradas em Angola era deitar dinheiro à rua, porque bastava mesmo era aspergir uma camada de alcatrão, receber a “guita” e estava a estrada entregue. Baseava isso no número de tapetes que a “quatro de Fevereiro” já tinha levado, para estragar logo a seguir. Foi a única vez que me senti desconfortável no jantar, e o velho Mota, sagaz, percebeu que havia gente na mesa que não estava a gostar da conversa, onde ele se incluía, e mudou a conversa para outras temas.

Já que se fala em pintar macdam com alcatrão, como propunha o beócio que nos acompanhou no repasto, lembro-me de ouvir contar uma história em que o Eng.º Carloto de Castro, secretário da administração colonial das Obras Publicas, ao inaugurar um troço de estrada na região do Luena, pediu uma faca, ajoelhou-se, fez um corte, chamou o técnico, a quem balbuciou umas palavras, e “não inaugurava aquela estrada porque faltava asfalto colocado na caixa de compactação”.

Gostei de ter tido oportunidade de o conhecer, numa mesa onde estava o saudoso arquitecto Vasco Vieira da Costa (eternamente à espera do nome de uma rua em Luanda), o velho Lelo, o Chaves, e mais uns quantos, numa noite onde nos aguentámos até às 11,30h, forçados a abandonar a conversa, por causa do recolher obrigatório mais longo de sempre no mundo!

Gostei muito da sobriedade do António Manuel da Mota, no único contacto que tivemos, e curiosamente esse que tinha razões para se afirmar Angolano em Angola, nunca me lembro que o tivesse feito.



Fernando Pereira

15/11/2010

11 de novembro de 2010

O Novembro do nosso contentamento / Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 11-11-2010


Trinta e cinco anos da vida, de uma Angola que muitos sonhámos diferente, o que confirma que o sonho só se cumpre sempre em percentagens limitadas.


Vou tentar pegar nalgumas referências do que foi este percurso, passando por muita coisa que hoje está enterrada na nossa memória colectiva, ou do que em tempos foram situações sérias, que algumas circunstâncias transformaram em cenas caricatas, e rapidamente alienadas pelo anedotário popular.

“O Povo é o MPLA, o MPLA é o Povo”, “A Luta Continua”, “ A Vitória é Certa”, “Abaixo o Imperialismo”, “Abaixo o Tribalismo”, Abaixo o Regionalismo”, Abaixo o Neocolonialismo”, “Honra ao povo Angolano”,”Glória Eterna aos nossos Heróis”,” Nós faremos de Angola a Pátria dos Trabalhadores e a Revolução continuará a sua marcha triunfal ao lado dos povos que seguem o mesmo caminho”, “Café de Angola, um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são os mais brilhantes / estão ao serviço do povo na reconstrução nacional”, “Sonangol/ Nosso petróleo onde é preciso”, “Vamos Purificar o Partido para melhor recebermos os novos membros”…

“A OPA prepara-se para a defesa intransigente da pátria angolana contra os ataques do imperialismo internacional e seus sequazes”, “Tudo pelo Povo”,” ODP- Organização de Defesa Popular”,“Que importa que o inimigo acorde cedo, se as FAPLA não dormem” “FAPLA, o braço armado do povo angolano”, “Angola é e será por vontade própria trincheira firme da revolução em África”, “O que é determinante para a unidade é a ideologia e não a geografia”, “Na edificação de uma sociedade socialista a agricultura é a base, a indústria o factor decisivo”, “Viva o Poder Popular”, “Somos independentes, seremos socialistas”,” Antes Morrermos Todos que Deixar Passar o Inimigo”, “Estudar é um Dever Revolucionário”, “Fieis ao Marxismo-Leninismo, estamos a construir uma Angola socialista”, “ O Socialismo científico é o grande objectivo estratégico da revolução angolana” “A Educação e cultura ao serviço do povo”, “Saude para todos no ano 2000”…

“Por um Partido sólido, unido, disciplinado, avante com o movimento de rectificação”, “Avante com o poder popular”, “O mais importante é resolver os problemas do Povo”,” Mais quadros, melhor produção, melhor solução dos problemas do povo”,”De Cabinda ao Cunene, um só povo uma só nação”, “Abaixo os Fantoches Lacaios do Imperialismo”, “Viva o Internacionalismo Proletário”,”Ao inimigo nem um palmo da nossa terra”…

A sociedade angolana foi alterando algum do seu paradigma político, ideológico e económico, um epifenómeno do arremedo de socialismo que se tentou implantar, e daí que os slogans se começassem a alterar foi um saltinho.

Hoje estas palavras de ordem, que inundavam o nosso quotidiano nos anos de debute da independência do País, foram paulatinamente sendo substituídas por hábitos novos, léxicos adequado às novas realidades, de uma coisa que se chama a “economia de mercado”, que ainda está numa fase de avaliação, quiçá de desconfiança, quanto a uma opção válida para o desenvolvimento seguro do País.

Hoje já ninguém se lembra de sábados vermelhos, de nos organizarmos para ir receber um dignitário ilustre, nas celebérrimas visitas de cooperação, amizade, partido e Estado, e outras minudências que ao longo dos anos nos habituámos a participar, a observar e muitas vezes a criticar, algo que o angolano prodigaliza.

Por falar em muitos dignitários ilustres, refira-se que saudámos a visita de alguns que o tempo, as circunstâncias políticas e a evolução dos tempos deu para revelar que eram autênticos sátrapas nas suas terras.

Tem valido a pena passar por estes trinta e cinco anos, que foram florindo depois da noite mais bonita de todas as noites que conheci, a de 11 de Novembro de 1975.

Neste tempo presente, que fez de muitos de nós, simultaneamente voyeurs e protagonistas da história deste País cada vez menos recente, só me permito dizer que é o Novembro do nosso contentamento.

Fernando Pereira

1/11/2010

Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto /10-11-2011/ O Interior



Mário de Carvalho (n.1944) é um dos escritores contemporâneos portugueses que muito admiro, aguardando expectavelmente os seus romances.


Um romancista que vê com alguma dificuldade que os seus livros consigam ter a visibilidade comparável à qualidade dos seus escritos, o que começa a ser demasiado recorrente em muito bons escritores.

Hoje há demasiados escritores paridos dos ecrãs das televisões, ou das vernissages das revistas cor-de-rosa, e os escritores que não alinham com a cultura do espectáculo ou da mediatização ficam relegados para a parte mais esconsa das livrarias.

Mas não é esse o tema do artigo de hoje, e ao pegar em Mário de Carvalho, que coerentemente nunca escondeu a sua opção partidária, lembro-me de uma obra sua de 1995 (“Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”), e que é um verdadeiro libelo, ainda que com uma permanente nota de humor, sobre os funcionários e dirigentes das estruturas de base dos partidos políticos.

O “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” romanceia com muita piada as vicissitudes de um individuo que quis entrar num determinado partido político e as suas relações com a controleira, ou o dirigente, ou melhor os seus costumeiros hiatos.

No caso deste romance, estamos perante uma história em que os intervenientes são de um partido marginal à lógica do poder. Há contudo um cadinho, onde fermentam muitos dos tiques dos aparelhos partidários, autênticas madraças, onde pululam e de onde saem pessoas ideologicamente pobres, e com comportamentos de arrogância na integração da sociedade, contrários à formação cívica que a democracia deve ensinar a melhorar num quotidiano respirável de vida política.

Num devaneio humorístico à obra de Fiódor Dostoiévski,” Recordações da Casa dos Mortos”, apetece-me colocar os termos usados numa reunião do directório, concelhio, distrital ou nacional de um Partido da órbita do poder, central ou local:

“Este gajo é dos nossos, e não nos dá problemas”/ “Mas é um fraco, falta-lhe carisma”/ “Deixa-te lá disso, carisma é ele cumprir as ordens que lhe dermos”/ “A. Era capaz de ser melhor para o lugar”/ “Deixa-te de porras, esse já o temos na mão, já lhe empregámos a filha”/ “Eu acho que B. anda a falar muito desde que foi nomeado por nós”/ “Deixa-o pousar, quando der conta já tem os patins”/”Quem anda danado é C, mas como ainda não tem lugar não abre a boca mas bufa quando fala comigo para saber novidades”/ “Não nos podemos esquecer que foi o gajo que andou a dar subsídios aos tipos que nos gamaram a Câmara”/ “O tipo foi lá posto pelos gajos do outro lado”/ “Há tipos no nosso partido que ainda são mais FDPs que do outro”/ “Como estamos de subsídios?”/ Há uns dinheiros, mas tem que ir parar a mãos mesmo nossas”/ “E as regras? Depois vêm os tipos para o jornal ladrar e nós é que ficamos mal/ “Deixa-te de porras, falas com o tipo do jornal e ele põe lá uns anúncios de umas Câmaras nossas”/ “Tens razão, e se o gajo não aceitar”/ “Eheheh, ficar com os empregados sem ordenado, achas que arrisca?” / “Andam aí uns tipos a quem prometemos umas coisas, para virem para o nosso lado, e nunca me largam para lhes dar o que prometemos”/ “Fala-lhes da crise, porra, e vais deixando correr o marfim”/ “E as licenças daqueles que nos deram a guita para a campanha?”/ “Deixa-os andar, porque eles não podem abrir a boca e quando estivermos perto das eleições damos-lhe a cenoura ou o pau”/ “ É por isso que o nosso partido é responsável”/ “Mete lá as raparigas da juventude, naquele sector, para termos os pais deles connosco nas próximas”/ “Vocês de política não percebem um corno” / “ O chefe que se cuide, porque precisa mais de nós agora que nós dele”/ e por aí fora…

Votos de muitas prosperidades e adeus até ao meu regresso!

Fernando Pereira

8/11/2011


5 de novembro de 2010

Rennie Q.B.! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 5-11-2010




“ O Homem é um animal de hábitos”, Charles Dickens (1812-1870), escritor inglês que descreveu magistralmente o “milagre da revolução industrial”, num conjunto de obras, em que o enfoque foi a miserável condição e exploração no trabalho, das crianças na sociedade inglesa.


Peguei na citação do criador de “David Cooperfield”, “Oliver Twist” e “The Pickwick Papers”, por se ter comemorado recentemente, os cento e quarenta anos do seu falecimento, e porque também sou “ um animal de hábitos”, e um dos que cultivo é ir regularmente a umas livrarias ver o “que está a sair”.

Por “hábito”, e na circunstancia confrontando-me com as bizarrices da distribuidora estatal EDIL, tive a fortuna de ter encontrado, na Livraria Che Guevara em Cabinda, um dos meus livros de eleição, “Os Cantos de Maldoror”, do Conde de Lautremont, , prefaciado por Jorge de Sena, e traduzido por Pedro Tamen .Recordo o entusiasmo por encontrar esta obra-prima do Incrível, escrito em plena euforia do Darwinismo, por volta de 1869. Algum esoterismo, numa obra, sintetizada nesta frase: “A minha poesia dedicar-se-á apenas a atacar, por todos os meios, o homem, esse animal selvagem, e o Criador, que não deveria ter engendrado semelhante parasita.». Uma boa recordação de Cabinda!

Deixando esta “obra demoníaca” de lado, fiquei manifestamente desagradado com aministra da Família e da Promoção da Mulher, Genoveva Lino, que numa recente intervenção disse: "Não há palavra melhor do que a do Senhor, cada cidadão deve ter, ler e absorver o grande livro sagrado, a bíblia, porque é o livro da vida. E se todos nós o seguirmos, teremos uma vida mais digna, tal como a própria bíblia diz, que feliz é a nação que o próprio Deus é o Senhor".

Fiquei perplexo, aliás tanto quando Yuri Cunha, quando foi ao Campo Pequeno, em Lisboa a “berrar por Deus”, numa mensagem subliminar de uma qualquer religião, junto de uma plateia que tinha pago, para ver o musico e os envergonhados convidados, e não para entrar numa qualquer histeria, tipo Jim Jones, numa Guiana de má memória (1978).

A Senhora Ministra, membro de um governo, que é chefiada por um magistrado que jurou cumprir a constituição, no caso a laicidade do Estado, bem clara no artigo 10ª, pode ter as suas convicções, o que não pode é assumi-las publicamente, enquanto em funções. Pode querer estar a bem com Deus e a Pátria, mas não esqueci os tempos do “Acordo Missionário”, de má memória no que toca à liberdade religiosa e à presença de outras convicções religiosas em Angola.

Para aumentar o meu desconforto, quiçá azia, eis o programa desportivo alusivo ao trigésimo quinto aniversário da independência de Angola: Um jogo entre a equipa B da selecção de Angola, e a equipa B de um clube, que não está no ranking dos trinta da Europa, o Benfica de Lisboa.

Podem dizer que são os meus olhos azuis e brancos a escrever, de certa forma admito-o, mas há também algo que nada tem a ver com isso, é o direito à indignação.

Os trinta e cinco anos de independência mereciam um jogo entre selecções de dois países, num espectáculo que galvanizasse os cidadãos, tão distantes de uma FAF cheia de problemas financeiros, organizativos e até de definição de uma matriz desportiva coerente.

Este jogo, devolve-me de certa forma os tempos dos irmãos Vieira de Brito, da “Sociedade Mário Cunha” no Amboim, grandes entusiastas do Benfica campeão europeu (1961-63), e principais impulsionadores e mecenas da construção do Estádio da Luz em Lisboa. Traz-me à memória também os dislates do “massa bruta”, João Ferreira do Negage, que foi a Lisboa para comprar jogadores ao Benfica, para competir pelo Desportivo, depois de uma querela com uns colegas na direcção do Sporting. Na altura o Negage tinha duas equipas na 1ª divisão do campeonato provincial, com cinco ex- jogadores do Benfica numa delas, embora alguns deles só treinavam, porque o Benfica tinha nesses tempos uma equipa extraordinária, do Coluna, Eusébio, Santana, Águas, etc.

Esta comemoração desportiva é um verdadeiro embuste, e tenho muita pena de não ter os quadros humanos e a participação da juventude, mesmo que acabasse com um jogo com outros protagonistas, que nesta altura do ano não querem arriscar nada, a não ser o dinheirinho que os move.

Já que se fala de desporto, fez oitenta (80) anos que foi publicado o primeiro jornal (semanário) desportivo no então “espaço português”. Foi o "Angola Desportiva". Fundado em 8 de Agosto de 1930, pelo insigne desportista angolano Eduardo Castelo Branco (a quem toda

a gente tratava por "Chateau"). A publicação acabou no dealbar dos anos setenta, e teve a sua última redacção na sua casa, um r/c no Braga.

Fernando Pereira

2/11/2010



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