26 de março de 2010

A Ínclita Geração do capital!/ Ágora /Novo Jornal / Luanda/ 26-3-2010



“ O pé do dono é o adubo da terra”, era divisa da família “Espírito Santo”, base do grupo económico BESA, por sinal proprietária deste jornal.
Em 3 de Fevereiro de 1955, os jornais de Lisboa tiveram quase metade da edição em anúncios de necrologia. A TAP, o Cassequel, o Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, a SACOR, a CADA, a Companhia de Seguros Tranquilidade, a Academia dos Amadores de Musica, a Fundação Ricardo Espírirto Santo, várias delegações do Sporting, e muitos outros, manifestaram-se na imprensa de então, pela morte da figura incontornável do grupo, o Dr. Ricardo Espirito Santo Silva. Salazar e quase todo o ministério acompanharam o funeral que teve quase Lisboa em peso, segundo as descrições da época.
Começou esta saga na casa bancária Beirão Pinto e Silva & C.ª, fundada em 1884, depois a casa bancária José Maria Espírito Santo Silva, que em 1920 cria o Banco Espírito Santo, e com a fusão em 1937 com o Banco Comercial de Lisboa, se transforma no Banco Espirito Santo e Comercial de Lisboa, designação que se manteve até meados dos anos 90 do século passado, dando depois origem ao BES, que hoje conhecemos.
Ricardo Espirito Santo era um homem de enorme vitalidade e fina argúcia, que para além da sua visão sobre a multiplicação do dinheiro, era um “mecenas”, um desportista de eleição, um hábil político, de tendências germanófilas no decorrer da 2ª guerra mundial, e um sedutor que partilhou muitas companhias femininas, algumas notáveis, como por exemplo a fadista Amália Rodrigues.
Era um dos três irmãos, filhos de José Maria, que acabou por criar, um dos maiores grupos financeiros eminentemente familiares em Portugal e nas colónias, proprietários, ou com participação significativa em empresas como o Cassequel, e posteriormente da Companhia do Açúcar de Angola, da CADA, da Companhia Tranquilidade, da Petrofina, da SACOR e da subsidiária angolana ANGOL (a antecessora da SONANGOL), TAP, Companhias de seguros Bonança, União, Cimianto, AGRAN, entre outras.
Com a sua morte o seu irmão Manuel continua na direcção do BESCL, e o seu irmão José fica no conselho geral. Manuel morre em 1973, quatro anos depois da morte de José. A Manuel sucede à frente do grupo Manuel Ricardo, tio do actual presidente do grupo, Ricardo Espirito Santo Salgado, partilhando a gestão com o seu primo José Maria Ricciardi, de um universo que se estende a três continentes num universo de quatrocentas empresas, em ramos tão diversificados como a banca, a indústria transformadora, extractiva, pesada e mineira, o turismo, o imobiliário, transportes, comunicação social, agricultura e pescas.
A ligação de Ricardo Espírito Santo à banca internacional nos tempos da IIª guerra mundial, o facto de ser uma pessoa de grande cultura e muito próxima da aristocracia europeia, permitiu que nesses anos o Banco se consolidasse através da aquisição de outras empresas, nomeadamente algumas casas bancárias portuguesas de menor dimensão.
Germanófilo, intimo de Salazar e seu grande admirador, como se tem podido observar pela correspondência trocada entre ambos, recentemente divulgada num livro da “Queztal” de Novembro de 2009, titulado de “Salazar e os Milionários” , Ricardo marcou de forma inequívoca a passagem de uma banqueta, a um grupo económico importante no contexto português e com sólidas alianças no contexto financeiro internacional, que foi determinante no seu reerguer depois dos períodos conturbados em 1975, em Portugal e em Angola. É também conveniente ter em conta, que só com a política proteccionista de Salazar aos grandes grupos económicos portugueses, foi possível o desenvolvimento das chamadas “setenta fortunas” que governaram Portugal.
Este grupo nasceu na Monarquia, atravessou discretamente a 1ª Republica, exuberante no salazarismo, acreditava-se que finado em 1975, reergue-se no final dos anos 80, trazendo para a esfera da lusofonia a experiencia recuperada na finança europeia, e hoje é um grupo que vai mantendo as características determinadas pela matriz familiar inicial.
Para este artigo recorreu-se ao livro de Henrique Guerra: “Angola: Estruturas Económicas e Sociais” das Edições Maiaka (1973), Eduardo Sousa Ferreira, “Capitalismo português e neocolonialismo” CIDAC 1975, Maria Belmira Martins “ Sociedade e Grupos em Portugal” edição do autor 1972 e” Portugal de Perto” de Maria Antónia Pedroso de Lima, D. Quixote, Lisboa 2003. Também me ajudou, um artigo do meu antigo professor Romero Magalhães, da revista Visão (Julho de 1999)
Fernando Pereira
21/3/2010

19 de março de 2010

Jean Ferrat- “Cest un jolie nom camarade”

Jean Ferrat- “Cest un jolie nom camarade”
(26/12/1930-13/3/2010)
Desabituei-me de ouvi-lo, mas de vez em quando, lá pegava no “Nuit et Brouillard” (Noite e a Neblina- 1963) , um velhinho vinil cheio de uso, identificável pelos muitos riscos.
Era um dos meus preferidos da canção francesa,” compagnon de route” do PCF, chegando a ser autarca eleito em Ardeche, terra onde se fixou em 1964 e onde morre no dia 13 de Março de 2010, com setenta e nove anos.
Prolífico e discreto Jean Ferrat compôs cerca de duzentas canções, muitas com letra do poeta comunista francês Luis Aragon, e a sua voz serena, emprestava às lutas um sentimento forte de solidariedade.
Nunca foi membro do PCF, mas sempre se mostrou reconhecido, pois foi a resistência comunista, que o libertou do assassínio que os nazis se preparavam para perpetrar, na sequencia do que fizeram a seu pai, assassinado em Auschwitz.
Nesta hora do seu desaparecimento, mais um da 'chanson' francesa, ao lado de Jacques Brel, Leo Ferré e Georges Brassens, fica-nos o sentimento de vazio, pois a sua musica dava força para acreditar.
Crítico da intervenção soviética em 1968 em Praga, terá feito então uma das músicas mais bonitas da canção francesa de intervenção,”Camarade”, embora mantendo sempre uma postura de alinhamento às políticas dos comunistas franceses.
Enorme compositor e cantor de uma certa música francesa, que soube e mereceu ser a banda sonora de muitos e grandes sonhos colectivos.
C'est un nom terrible Camarade
C'est un nom terrible à dire
Quand, le temps d'une mascarade
Il ne fait plus que frémir
Que venez-vous faire Camarade
Que venez-vous faire ici
Ce fut à cinq heures dans Prague
Que le mois d'août s'obscurcitca:
Fernando Pereira
14/3/2010

Bafio's / Ágora / Luanda / Novo Jornal/ 19-03-2010



Muitos dos pouco que sei que me vão lendo, se recordam de um colonialista primário, Reis Ventura, que em tempos idos foi um estagiário de guru, na ideologia do “Império”.
Manuel Reis Ventura (1910-1988), nasceu no norte de Portugal, desistiu da vida sacerdotal em 1930,fixa-se em Angola. Escreveu a metro, enaltecendo as virtudes do colono, e o modelo que era Salazar e a sua visão aldeã do Portugal de Minho a Timor.
Ventura, escreveu um livro de poemas “A Grei”, que anos mais tarde num panegírico às tropas portuguesas na guerra colonial, transformou em “Soldado que vais à guerra”. Pelos vistos, transformar obras, começou a ser recorrente nos livros de Reis Ventura, porque só o “Sangue no Capim”teve uma versão em 1962, outra em 1963 e uma outra em 1978; Sei que é deselegante, mas de facto noutras circunstâncias, a saga do “Padrinho” de Francis Ford Coppola, passaria completamente ignorada, perante a visão suprema, do autor arregimentado do tempo passado.
Reis Ventura , ainda escreveu um livro de contos “A cidade e o muceque” (1970), e dos romances”Quatro Contos por Mês” (1955), “Fazenda Abandonada” (1965), “Caminhos” (1965) e “Engrenagens Malditas” (1965), entre outros. Publicou também um romance de ficção científica, “Um Homem de Outro Mundo” (1968), em que o protagonista, Thull, um ser do planeta Mil, efectua um périplo pela Terra depois de aterrar nos arredores de Luanda. Há também a referir “Cidade Alta” (1958), “Filha de Branco”(1960), “Engrenagens Malditas”(1964) e “ Cafuso” de 1956, o seu romance autobiográfico.
Para além disso opinava na Rádio, num célebre programa em que o mote era “Rádio Moscovo não fala verdade”, intercalando em 1961 com o programa de Ferreira da Costa, com a canção de fundo “Angola é Nossa”, marcha marcial entoada pelo Orfeão da FNAT. Escrevia também em jornais, e onde podia desancava nos “turras”, nunca deixando qualquer dúvida em relação ao seu posicionamento ideológico, aliado a uma verve racista, que deixa poucas saudades.
Podia ter falado de outra coisa, mas como aqui há tempos aconteceu que o Prémio Nacional de Cultura, na componente literatura, foi motivo de acesa discussão seguido de um mutismo ensurdecedor, lembrei-me do Reis Ventura.
Reis Ventura esteve involuntariamente (?) envolvido em 1934 numa célebre polémica sobre galardões literários, quando o seu livro A Romaria (que assinou como Vasco Reis) obteve o prémio Antero de Quental do SPN. Inicialmente, a obra de um outro escritor tinha sido preterida e, aparentemente, só a intervenção pessoal do director do SPN, António Ferro (1895-1956), apaziguou o clima de contestação que se gerou; Através da sua intervenção, nesse ano foram concedidos, excepcionalmente, dois galardões ex-aequo. O livro preterido tinha sido Mensagem, de Fernando Pessoa (1888-1935). Como se diria em Coimbra, foi confundir a “Estrada da Beira” com a “Beira da Estrada”, apesar da “Mensagem” ser quanto a mim, o pior trabalho de Fernando Pessoa, um génio da literatura universal.
Sobre este assunto, recolho aqui uma entrevista dada por Reis Ventura ao jornal “A Província de Angola”, em 10 de Junho de 1970: "– Sabemos que ganhou o Prémio Antero de Quental em concorrência com Fernando Pessoa...
– Não é verdade! E sinto-me envergonhado sempre que se fala nisso. Aconteceu apenas que a "Mensagem" de Fernando Pessoa, apresentada como "a Romaria", ao primeiro concurso literário do Secretariado da Propaganda Nacional, em 1934, não tinha o mínimo de cem páginas, exigido pelo Regulamento para as obras concorrentes ao Prémio Antero de Quental. Mas, ao atribuir-lhe o Segundo Prémio (apenas para respeitar a letra do Regulamento), o Júri proclamou o valor excepcional da "Mensagem" e declarou equiparados os dois prémios da Poesia. Perante tão clara atitude, até eu, que era então ainda um garoto cheio de pequenas vaidades, compreendi que o Primeiro Prémio de Poesia, em 1934, estava conferido, de direito e de facto, a uma obra de génio, perante a qual os meus versinhos de rapaz nem sequer existem."
Eu sempre fui pegando na “literatura ultramarina portuguesa”, guiado pela “luminária” Amândio César, que já foi citado aqui na Ágora, curiosamente nunca pelas melhores razões. Fui sempre lendo um ou outro escritor, e nalguns casos, evitando dar muita importância às convicções, e tenho encontrado algumas coisas interessantes, nomeadamente sobre fases pioneiras do colono em determinadas regiões de Angola.
Ferreira da Costa (1907-1974), que era a voz do regime na rádio, e creio que em determinada altura, director do “Comércio de Luanda”, escreveu um livro “Pedra do Feitiço” (1945), ou melhor compilou um conjunto de quatro contos, onde fervilha imaginação a rodos, mas que acaba por ser uma obra com piada, e acima de tudo muito bem escrita. Não é fácil encontrar o livro, mas não deixa de ser um livro interessante.
Talvez um dia destes volte a falar de mais alguma desta gente, a malta das naus!

Fernando Pereira
13/03/10

12 de março de 2010

Ainda.../ Ágora / Novo Jornal /Luanda 12-03-2010



“Vós, ó portugueses da minha geração, que, como eu, não tendes culpa de ser portugueses (…). O povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem, Portugueses, só vos faltam as qualidades.”Eles estão em todo o lado, na blogosfera, nas salas dos aeroportos, nas esplanadas sobranceiras à praia, nos restaurantes, e ei-los a comentar de forma despudorada a realidade de uma Angola, que procuraram para ganhar dinheiro, e resolverem problemas de falta de emprego no “torrão natal”, ou em terras de Gilberto Freyre, símbolo maior do embuste, o luso-tropicalismo.
Não me surpreende que isso aconteça, mas curiosamente vi no jornal “Publico” de Portugal, a transcrição de um resultado de um estudo científico do Prof. Luís de Sousa, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Lisboa, em que refere que “os portugueses são muito tolerantes com a corrupção”, alicerçados num inquérito, em que 63% da população portuguesa, aceita a corrupção desde que seja para beneficio colectivo. A afirmação clara do “chico espertismo”, retira qualquer argumento, a que se fale de Angola ou dos seus negócios e alianças económicas.
Não me interessa, pelo menos por ora, vir aqui dizer o que acontece em Portugal, no Brasil, ou noutros locais, onde sem estudos, mas a “olhómetro” tresanda ao pequeno favor e à corrupçãozinha, mesmo para aquilo que aparentemente é julgado desnecessário.
O que efectivamente me aborrece, é que corruptos são os angolanos, os generais, os filhos da nomenklatura e por aí fora, que também é infelizmente verdade, mas certas posturas do tipo: “ó filha, chama-a devassa, antes que ela te chame a ti”, deixa-me com pele de ciclóstomo, antes de ser servido à bordalesa, acompanhado de um qualquer verde tinto, das terras entre Douro e Minho.
A própria imprensa e comentadores” independentes” usam algum destempero opinativo, esquecendo a circulação de capitais inerente ao capitalismo em qualquer lugar, quando os angolanos entram legitimamente em certas empresas, despreocupando-se com a ética em dinheiros de proveniências pouco conhecidas e menos badaladas, longe do espaço lusófono.
Enfatizam o “ainda” quando algum angolano responde sobre algo que ainda não aconteceu, nem está feito. A mim o “Ainda”, lembra-me o verso da resistência de Agostinho Neto: “Ainda, o meu canto dolente…”, poesia de resistência e combate, contra este tipo de coisas indiciadoras de racismo, acobardado de vitupérios que não conseguem esconder, e aceitar que estão em terra que os acolheu, e lhes paga por vezes bem mais do que vale o seu trabalho, mas sobre isso, a culpa não sobra para eles.
Não tomo a” nuvem por Juno”, e continuo a admitir que a maior parte dos estrangeiros de Angola, ama a terra, gosta das suas gentes, e vai perdendo os tiques de superioridade, herdadas por circunstâncias antropológicas e históricas, que erradamente foram doutrina e arreigaram-se quase consuetudinariamente às pessoas por gerações!

Não venho aqui usar o génio da língua portuguesa, Jorge de Sena, que fez um poema “Portugal”, que exprime quão madrasta a Pátria foi. Vale a pena conhecer a obra completa deste poeta, que fez provavelmente um dos melhores romances da língua portuguesa do século XX: “Sinais de Fogo”!

Pede-se comedimento, porque não há povos maus, há estádios de desenvolvimento económico e sociais diferentes, há diferenciado ênfase na educação, há populações mais condicionadas por religiões e ritos que outras, há povos algo assépticos e outros que exteriorizam toda a sua alegria, há a diversidade de que somos feitos, e por aí fora.
Respeitar Angola, as suas instituições, a opinião lídima e franca dos seus cidadãos, não pode ser confundida por aqueles que estão no País de passagem, pois os angolanos são afectivos e comunicativos, mas detestam que se metam nos seus assuntos. Desabituaram-se disso a partir de 11 de Novembro de 1975, e ainda bem porque assumiram e corporizaram, a velha frase tantas vezes batida e repetida: “Nós somos nós”!
O que se deseja mesmo é uma sociedade onde a mentira nunca dê lucro, onde a corrupção nunca compense. Ou, como canta o espanhol Joaquin Sabina na sua "Noche de bodas":”Que ser valiente no salga tan caro/ que ser cobarde no valga la pena”
Desculpem qualquer coisinha, e já agora para quem não sabe, a citação que abre este artigo é um post do poeta português, José de Almada Negreiros, do seu” Ultimatum Futurista” (1917).

Fernando Pereira
6/3/2010

5 de março de 2010

OS CAMPOS DE ALGODÃO ESTÃO DE LUTO/ Novo Jornal/ Luanda / 5-3-2010



Adriano Sebastião (11-8-1923/ 3-3-2010)
A morte de Adriano João Sebastião, no passado dia 3 de Março de 2010, deixa uma grande tristeza, para todos os que tiveram o privilégio de o ter conhecido, ou com ele colaborado.
Fui um dos que com ele colaborei, no fim dos anos setenta, quando vai para Lisboa instalar a primeira embaixada da então Republica Popular de Angola em Portugal.
Como primeiro embaixador de Angola em Portugal, Adriano Sebastião colocou ao serviço do País o melhor que tinha, e que era muito. De finíssimo trato, pessoa solidária, reservado q.b., politicamente coerente, com fortes convicções anti-colonialistas, que lhe valeram o degredo e a prisão, e acima de tudo portador de um grande carácter, conseguiu impor serenamente o respeito a todos os seus subalternos, colaboradores e até a pessoas com divergências ideológicas profundas.
Profundamente ligado à Igreja Metodista de Angola, o seu empenho cristão marca o seu quotidiano de vida, e a sua relação serena com a sociedade.
Já há uns tempos, na minha coluna semanal tinha feito um artigo sobre Adriano Sebastião, a propósito do seu livro, editado no início dos anos 90, “Dos campos de algodão aos dias de hoje”, que acaba por ser um instrumento indispensável, para o estudo do que foi a resistência anti-colonial nos anos 40 e 50, na região rural de Kalomboloca, Cassoneca e Catete.
Sabia-o muito fragilizado nos últimos anos da sua vida, felizmente longa, e acompanhado com grande dedicação pela sua esposa, D. Hermengarda, e suas filhas, Isabel (Tinha), Luzia (Gy), Ana Paula e Adriana (Didi), que me apresto a apresentar sentidos pêsames.
Nesta hora triste, Kalomboloca vê perder um dos seus filhos ilustres, e Angola despede-se de um cidadão impoluto, e um dos muitos que obstinadamente lutou para fazer este País.
Fernando Pereira
4/03/2010

"O GOLO" /Ágora /Novo Jornal/ Luanda/ 5-3-2010



De vez em quando, tenho fases de misantropia assumida. Nessas alturas, faço sempre coisas diferentes, e tanto quanto possível em locais irrepetíveis. Há um denominador comum nesta fase, para além da irascibilidade, que é a de não dispensar a releitura dos Cantos de Maldoror, obra “que nos ensina a voar sobre o abismo”, do Conde de Lautremont, um francês de nome Isidore Ducasse, nascido no Uruguai em 1846, e falecido em Paris em 1870.
Tenho sentido uma inquietude incomum, que será passageira, e nesses momentos para não vasculhar as ideias, vou desarrumar armários, baús e estantes onde possa encontrar algo de tangível que me faça sair de períodos de torpor prolongados.
Reencontrei nas minhas buscas, uns exemplares da “Revista Golo”, que em Novembro de 1987, representou o primeiro esforço de se fazer uma publicação graficamente apelativa, simultaneamente informativa e com objectivos formativos interessantes sobre a cultura física e o desporto em Angola.
Superiormente dirigida por Gustavo Costa, que me substitui melhoradamente, enquanto director do CNDI da então Secretaria de Estado dos Desportos, dos tempos entusiasmantes do Ruy Mingas, a “Golo” tornou-se o primeiro elo editorial da lusofonia, no plano da educação física e desportos.
A revista era excelente, com o malogrado Alexandre Gourgel, Luís Costa e Miguel Correia Filho na redacção, Miguel Magalhães e Carlos Lousada na fotografia. Dos colaboradores permanentes, o saudoso Matos Fernandes, Paulo Murias, Helder Moura, Arlindo Macedo, Aguiar dos Santos, Américo Gonçalves, Severino Carlos, Raquel Grácio, João Madeira , Graça Campos e eu próprio.
Colaboradores “internacionais” era o Luís Fernando em Cuba, o saudoso amigo e enorme jornalista português Carlos Pinhão, o prof. António Sousa Santos, o prof. Manuel Sérgio e a extraordinária professora brasileira Drª Maria Licia Marques, que foi a minha companhia quase permanente, quando eu debutava no Congresso da IASI, nessa circunstância em Bucareste em 1981.
Vou provavelmente em futuras crónicas, tentar mostrar o que foi o dealbar do desporto angolano no período que se seguiu à independência, e as razões que permitiram que o basquetebol e o andebol, tenham sido campeões crónicos em campeonatos africanos, e com participações meritórias nos campeonatos do mundo e jogos olímpicos.
Resumidamente, o que se pode dizer é que a opção por estas modalidades corporizada pelo Ruy Mingas, e partilhada por todos os quadros superiores e responsáveis da SEEFD de então, deu os resultados esperados, apesar de haver tentativas, que nalguns casos tiveram protagonismos soes, na defesa do “colocar tudo no cesto do futebol”.
Só o facto de haver uma política desportiva definida, alicerçada num projecto político em que a cultura física e o desporto fossem determinantes na educação do jovem, e simultaneamente que servissem para a afirmação de Angola como nação num contexto internacional, ao tempo adverso, em relação à nada Republica Popular de Angola, permitiu que ainda hoje se prolongue com êxito o trabalho então encetado e tantas vezes vilipendiado.
Voltarei a este tema, e foi bom estar assim como que emocionalmente fragilizado, para ler “o Golo” que se metia de três em três meses, nesses anos oitenta de tanta ausência e simultaneamente de tanto empenho.
Já agora, o “Golo” nada tem a ver com os “Cantos de Maldoror”, indispensável livro de cabeceira de há trinta anos a esta parte.

Fernando Pereira
28/2/2010
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