11 de abril de 2009

Sobrados de Luanda I/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11/03/09



Repeguei Nga Muturi, esse livro que reúne uma história publicada em forma de folhetim, em Lisboa pelo “Diário da Manhã”, e no “Jornal das Colónias”em Luanda, do ilustre causídico luandense Alfredo Troni (1845-1904), que retrata a Luanda do século XIX.
Procurei mais alguns textos, fotografias e documentos diversos e apeteceu-me falar da “cidade do Sobrado”, que ao ritmo da voracidade do imobiliário e da velocidade do camartelo, Luanda passará a curto passo a ser conhecida pela cidade onde nada terá “Sobrado”.
De forma algo descontextualizada, cabe aqui referência a um livro, há muito arredio dos escaparates das livrarias, de Luciano Cordeiro (1844-1900), “Questões coloniais”, em que a ultima edição julgo ter sido da Vega, em 1980.
Pego no livro de Luciano Cordeiro, porque foi um académico e político particularmente clarividente, e acima de tudo com uma visão sobre as colónias, que não tiveram continuidade nos seus sucessores.
Penso que seria útil, uma releitura do livro de Luciano Cordeiro, pois propõe no século XIX a instalação em Angola de várias escolas de diferentes graus de ensino, para todos indistintamente, e também uma escola superior de medicina tropical, para além de outras medidas que só muitas décadas mais tarde foram titubeantemente postas em prática. As suas propostas de pautas aduaneiras eram arrojadas, assumindo que uma percentagem das suas receitas fosse disponibilizada para a investigação científica da colónia.
Com a morte da rainha Vitória em 1901,com a conferencia de Berlim no fim do século XIX, o que se assiste primeiro de forma timorata, e depois já sem qualquer tipo de restrições éticas, é o assalto ao interior do continente africano na busca de riquezas, e a consequente destruição dos trilhos de mercadores africanos e o seu inerente empobrecimento e decadência.
Luanda vivia ainda os tempos do fim da escravatura, e toda a arquitectura da cidade ainda era assumidamente desses tempos, em que as casas eram de dois pisos e um grande quintal nas traseiras, local onde permaneciam os escravos, até serem vendidos.
Para se ter em atenção a importância do rendimento do comércio escravo, segundo Andrade Corvo(1824-1890), o rendimento público da totalidade das colónias portuguesas, somava qualquer coisa como 578 contos. Destes 288 provinham de colónias asiáticas e 290 das africanas. Nesta última soma o tráfego intercontinental de escravos contribuía com duzentos contos.
O combate das autoridades ao comércio escravo foi grande, perante a oposição de sectores da burguesia branca e mestiça, beneficiários maiores deste comércio.
Na administração pública, no exército, muita gente de famílias locais ocupava espaço referente, como as famílias Galiano, Pinto de Andrade, Necessidades, Ribeiro Castelo Branco, Vieira Lopes, Matoso de Andrade, Regada, Fançoni, Pinheiro Falcão, Nascimento da Mata, Maia Ferreira e outros.
Segundo Adelino Torres (nomeadamente, na sua tese “O Império Português entre o Real e o Imaginário”) diz claramente, e há quem conteste, que este grupo constituía interesses autónomos e distintos da burguesia metropolitana.
Com as políticas coloniais do Portugal republicano, que tem a sua expressão maior em Norton de Matos, levam a que essa gente vá perdendo influencia política e económica, e o estertor final é dado já pelo ignóbil e salazarento “Acto Colonial” de 1930.
Comecei a falar de Troni, e comecei a vaguear, porque na realidade o objectivo deste artigo é falar-se da Luanda que vai desaparecendo a olhos vistos, num prolongamento de uma visão “parolo-arquitectónica”do tempo colonial, que é causticamente ridicularizado por António Lobo Antunes, no seu “Deste papel aqui descripto”.

3 de abril de 2009

II Jogos da África Central, um modo de estar!/ Ágora / Novo Jornal /Angola /3-04-09




Ao recuarmos a 1981, a maior preocupação foi fazer lembrar acontecimentos que tiveram êxito, e protagonistas que merecem ser recordados, porque há prodigalidade a mais em muita coisa em Angola, mas pouca na memória colectiva.
A publicidade nos diferentes palcos dos IIºs Jogos da África Central, era fundamentalmente de empresas estatais, e lá tínhamos o “Café de Angola, Um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são mais brilhantes/ Estão agora ao serviço do povo e da reconstrução nacional”, a” TAAG/ Asas de Angola rumo ao progresso”, a Cimangola U.E.M. com o “Cimento Portland Artificial”, “ Sonangol / nosso petróleo onde é necessário”, e mais uns poucos, que invariavelmente apoiavam estes eventos.
Houve uma bebida oficial, “APPIA”, que trazia três sabores, qual deles o mais intragável, que mesmo com a mingua da Luanda de então, era quase ofensivo oferecer tal “drinkpack” a quem quer que fosse!
Foi entregue a sponsorização dos jogos a uma empresa denominada Panafrica Sports Promotian, que numa das primeiras reuniões com o seu representante, e julgo que único membro, pois nunca vi mais ninguém, o Ibrahim Sumaré, propôs mudar Luanda com outdoors, bandeiras, tarjas, enfim uma panóplia de soluções, que quase fazia lembrar a estátua do Kinaxixe, quando foi embrulhada com o plástico cor de rosa, antes de ser dinamitada nos anos 70.
Era um indivíduo culto, educadíssimo, mas a realidade é que foi sempre uma figura demasiado nebulosa, ligado ao Jeux d’ Afrique, revista mensal de desportos africanos, que foi aliás quem terá feito a pior cobertura dos evento. Acho que foi uma revista de vida efémera!
Porque que talvez tenha o direito de ser mauzinho, julgo que devo revelar, que num determinado grupo de línguas viperinas, o Sumaré era só um Kilandamoko mais elegante, pois prosápia não faltava nem a nem a outro, e ambos cultivavam a simpatia e insinuavam-se bem quando julgavam necessário aos seus projectos.
Histórias nestes jogos foram muitas, e na comissão desportiva éramos surpreendidos com situações bizarras, como por exemplo quando um dirigente de um país participante se lembrou de lavrar um protesto, porque o seu “homólogo”, de outro país, ia num Mercedes preto, e a ele tinha-lhe sido atribuído um Mercedes amarelo.
Situações por causa de “falta de providências tomadas pela organização”, no domínio da satisfação sexual dos agentes desportivos estrangeiros eram frequentes, porque Luanda ao tempo era uma cidade “rigorosamente vigiada”.
Na questão das provas, houve situações caricatas, como por exemplo termos de improvisar iluminação na Cidadela, para aguardar os retardatários da prova da maratona, em que estoicamente os últimos acabaram a prova, já que nos locais de apoio a líquidos e sólidos, já tinham saído os colaboradores, já que julgavam que tudo tinha passado e quem não passara teria desistido. Dois atletas entraram com uma hora de diferença em relação ao primeiro, e tiveram de se ligar de novo os focos improvisados para cronometrar a sua chegada
Os prédios contíguos à Cidadela, eram o local de alojamento de todas as delegações, e era um verdadeiro arraial, tendo por vezes a polícia de intervir para poder acalmar os atletas, principalmente os que já tinham acabado a competição.
Ocasionalmente, acontecia não comermos as refeições no refeitório instalado junto ao pavilhão da Cidadela, e íamos a alguns restaurantes da cidade, onde encontrávamos alguns dirigentes de delegações estrangeiras, com exigências que nos deixavam perplexos, pois alguns de nós tínhamos ido em missões preparatórias dos jogos aos seus países, e fomos recebidos com alguma indelicadeza, curiosamente por parte dos que víamos mais recalcitrantes!
No entanto estes II Jogos da África Central foram muito bons para todos, e a verdade é que hoje, quase trinta anos depois, os laços de amizade e solidariedade mantiveram-se, porque vivemos juntos um projecto que foi muito bonito, com gente muito boa, e que merece muitas páginas no desporto angolano, porque foram os cabouqueiros de tudo o que de bom sucedeu daí para a frente.
A título de nota de rodapé, gostava que a edição angolana da Bola, colocasse num contexto de memória, a entrevista dada por Rui Mingas ao saudoso Carlos Pinhão, na edição de 3 de Setembro de 1981, porque é um documento de inegável qualidade e importância, para quem procure compreender os caminhos do desporto angolano.
Fernando Pereira
21/03/09
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